Argumentos em favor da existência de Deus, por Thiago Velozo Titillo

08/01/2014 18:05

FACULDADE DE TEOLOGIA WITTENBERG

Apologética

Argumentos em favor da existência de Deus

Thiago Velozo Titillo

 

            No decurso do tempo foram elaborados alguns argumentos racionais em defesa da existência de Deus. Os argumentos tradicionais são: 1) cosmológico; 2) teleológico; 3) ontológico; 4) moral.

 

1. Cosmológico

 

            “O argumento cosmológico considera o fato de que toda coisa conhecida do universo tem uma causa. Portanto, arrazoa o argumento, o próprio universo deve também necessariamente ter uma causa, e a causa de universo tão grandioso só pode ser Deus” (GRUDEM, 1999, p. 99).

O filósofo e apologista cristão William Lane Craig diz que “esse argumento tem suas raízes em Platão e Aristóteles e foi desenvolvido por pensadores muçulmanos, judeus e cristãos da Idade Média” (2004, p. 77). Dentro do cristianismo, este argumento foi mais bem elaborado por Tomás de Aquino, nas suas duas primeiras vias, como se verá mais à frente. A Bíblia respalda este argumento ao declarar que as coisas criadas apontam para a existência de um Criador (Sl 19.1-2; Rm 1.20)

            Antes de Tomás de Aquino, o teólogo muçulmano Al-Ghazali (1058-1111) formulou esse argumento: “Todo ser com começo tem uma causa para o seu início; ora, o mundo é um ser com começo, e por isso tem uma causa para o seu início” (ibid., p. 78). Ghazali estabeleceu as seguintes premissas: 1) o universo começou a existir; 2) com o presente, chega ao fim a série de eventos passados, o infinito nunca chega ao fim; 3) ao atravessar o infinito, jamais chegaríamos ao “hoje”; 4) o “hoje” chegou, pois estamos aqui. Daí, conclui: se não há uma regressão infinita de causas, o universo não pode ser eterno; se o universo não é eterno, ele deve ter tido um começo; se houve um início para o universo, torna-se necessário uma causa para o seu começo, a saber, Deus.

            Fundamentado na observação do movimento, Tomás conclui que o mundo não é estático. Nota também que tudo o que se move é movido por outro ser. Tal processo retroagiria ao infinito se não houvesse um “Primeiro Motor não movido” (primum movens quod in nullo moveatur). Para Tomás, este “Primeiro Motor” é Deus. Trata-se da Primeira Via de Tomás, o caminho da mutação.

            Craig chama à atenção para o fato de que o argumento tomista baseado na causalidade do movimento deve ser visto como “causas que agem simultaneamente, como as engrenagens de uma máquina, não sucessivamente como dominós que caem. Se tirarmos a primeira causa, só restam causas instrumentais sem poder. [...] Tomás de Aquino argumenta [...] que um trem não poderia se mover sem uma locomotiva, mesmo se tivesse um número infinito de vagões. É preciso haver uma causa primeira de movimento em toda série de causas” (ibid., p. 79).

            Tomás, em sua Segunda Via, faz ainda uso da ideia de causalidade: o caminho da causalidade eficiente. Todas as coisas existentes no mundo não possuem em si mesmas a causa eficiente de suas existências e devem ser consideradas como efeitos de alguma coisa. Logo, é necessário admitir a existência de uma Primeira Causa eficiente, responsável pela sucessão de efeitos. Essa primeira Causa é Deus.

            Craig observa que “Tomás de Aquino pensa aqui no mesmo tipo de séries causais simultâneas como na primeira via, exceto que aqui as causas são de existência, não de movimento” (ibid.).

 

1.1. Objeção

 

            Os principais críticos do argumento cosmológico alegam que sua validação depende da demonstração de que “a relação entre causa e efeito é válida, a regressão infinita não é possível e que o universo é um efeito” (FERREIRA; MYATT, 2007, p. 76). Como alguém pode observar todo o universo a fim de averiguar que ele é, de fato, um efeito? Ou como alguém poderia observar todas as regressões causais para afirmar que não pode haver um regresso infinito? Assim, o argumento tomista de um “Motor Inamovível” perde a força. Deve-se ter em mente que o inimaginável não é necessariamente impossível.

            Erickson levanta ainda outra objeção: “Suponha que alguém consiga provar, com um argumento válido, que este mundo deve ter tido uma causa. Não se pode, no entanto, concluir disso que tal causa precisa ser infinita. Pode-se afirmar apenas que houve uma causa suficiente que foi responsável por esse efeito. [...] não podemos provar a existência de um Criador infinito a partir da existência de um universo finito” (1997, pp. 46-47).

 

2. Teleológico

 

            O argumento teleológico é uma subcategoria do argumento cosmológico. A harmonia e o funcionamento do universo apontam para um planejamento inteligente que só pode ter Deus como autor. Um dos maiores defensores desse argumento, William Paley (1743-1805), fez a seguinte analogia: assim como um relógio aponta para a existência de um relojoeiro que o projetou, a criação também aponta para a existência de um Criador (GEISLER, 2010a, p. 27). A ideia de ordem e finalidade na criação também já havia sido desenvolvida por Tomás de Aquino na sua Quinta Via. Muito antes disso, Platão já afirmara que uma das coisas que “levam o ser humano a crer nos deuses” é o argumento “da ordem do movimento das estrelas e de todas as coisas sob o domínio da mente que ordenou o universo” (apud, CRAIG, op. cit., pp. 81-82).

 

2.1. Objeção

 

            Argumentos empíricos alicerçados na observação sensorial podem conduzir-nos ao erro, uma vez que a percepção humana está sujeita a falhas. Erickson mostra como o argumento teleológico pode ser interpretado de maneira “desteleológica”. O mundo não deve ser, necessariamente, interpretado como algo ordenado e harmonioso. Há aspectos perturbadores, envolvendo catástrofes naturais, fome, miséria, doenças, crueldade, injustiças, etc. “Destacando esses pontos, é possível construir um argumento em favor tanto da inexistência de Deus como da existência de um Deus que não é bom” (op. cit., p. 47).

 

3. Ontológico

 

            “O argumento ontológico parte da ideia de Deus, definido como ser ‘maior do que qualquer coisa que se possa imaginar’. Depois arrazoa que a característica da existência deve pertencer a tal ser, pois maior é existir que não existir” (GRUDEM, op. cit., p. 99).

            Este argumento foi desenvolvido por Anselmo (1033-1109), e tem sido muito criticado por alguns filósofos. Kant o considerava um dos mais fracos, embora pensadores como Scotus, Descartes, Espinosa, Leibnitz, e, mais recentemente, Alvin Plantinga, tenham sido atraídos por ele.

 

4. Moral

 

            O argumento moral se baseia na natureza moral do homem. A consciência do bem e do mal, e a percepção natural do dever de evitar o mal e praticar o bem apontam para a existência de um Legislador que retribui com justiça os atos de cada um.

            A despeito do seu ceticismo, até mesmo o filósofo Kant ficou impressionado com este argumento. Ele partiu do “imperativo categórico” para deduzir a existência de um Legislador universal. A Bíblia endossa esse argumento (Rm 2.14-15). Tomás de Aquino o defende com alguma variação, em sua Quarta Via (o caminho da gradação de perfeição). Ele percebeu que no mundo algumas há uma gradação de valores: “algumas coisas são melhores do que outras, mais verdadeiras, mas nobres, e assim por diante. Esses termos comparativos identificam os vários graus em que as coisas se aproximam de um padrão superlativo: o melhor, o mais verdadeiro, etc. Portanto, deve existir algo que é a melhor, mais verdadeira e mais nobre de todas as coisas. Por isso, existe um ser que é a causa da existência, da bondade e de qualquer outra perfeição dos seres finitos, e a esse chamamos ‘Deus’” (CRAIG, op. cit., pp. 85-86). Nesse sentido, pode-se afirmar que a “quarta via” de Tomás é um tipo de argumento moral, embora distinto do argumento moral clássico.

            No século passado, C. S. Lewis, o apóstolo dos céticos, trabalhou esse argumento em sua magnum opus, Cristianismo puro e simples.

 

4.1. Objeção

 

            A principal objeção contra o argumento moral se baseia no argumento de que os valores são criações humanas, desenvolvidos pela sociedade a fim de que haja ordem para a manutenção da vida. Todavia, apesar da diferença dos valores morais existentes em algumas civilizações parecer depor de forma eloquente em favor dessa objeção, deve-se ter em vista que existem certos valores que são universais. Isso aponta para o fato de que há um Legislador universal que imprimiu valores morais na consciência humana, embora haja distorções dos mesmos valores em alguma escala em indivíduos e civilizações diferentes.

 

 

5. CONCLUSÃO

 

            Os argumentos supramencionados e suas correspondentes objeções não buscam apontar qual argumento é válido e qual não é. Isso cabe a cada um decidir per si. O propósito do presente texto é apenas apresentar os principais argumentos racionais em favor da existência de Deus, e como aqueles que não se sentem persuadidos por eles contra argumentam. É claro que cada uma das objeções a estes argumentos podem ser refutadas, mas tais respostas gerariam outras objeções, transformando-se num debate infindável e fugindo da proposta do texto.

 

BIBLIOGRAFIA

 

Bíblia de Estudo de Genebra. Almeida Revista e Atualizada. 2 ed. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

 

CRAIG, William L. A veracidade da fé cristã: uma apologética contemporânea. São Paulo: Vida Nova, 2004.

 

ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.

 

FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.

 

GEISLER, Norman. Teologia Sistemática 1: Introdução à Teologia. A Bíblia. Deus. A criação. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2010a.

 

GEISLER, Norman. Teologia Sistemática 2: Pecado. Salvação. A Igreja. As últimas coisas. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2010b.

 

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.