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Apocalipse 20: Uma resposta ao pré-milenismo, por Anthony Hoekema

02/02/2017 13:31

Há realmente bastante coisa no ensaio de Ladd com que concordo. [01] Concordo com ele que o Antigo Testamento deve ser interpretado na luz do Novo e que não se justifica uma interpretação total e exclusivamente literal da profecia do Antigo Testamento como Israel espiritual e que o princípio dispensacionalista básico de uma distinção absoluta entre Israel e a igreja, envolvendo dois propósitos de Deus distintos e dois povos de Deus distintos, não tem apoio bíblico. Concordo de todo o coração com o que é dito do reino espiritual de Cristo hoje e a realidade presente do reino de Deus.

Nossa divergência básica é acerca da interpretação de Apocalipse 20:1-6. Agradou-me ver Ladd admitir que este é o único lugar na Bíblia que fala de um milênio (p. 31). Nisto, também, estamos de acordo. Mas, a questão realmente importante é: Qual o significado desta passagem?

Olhando o problema primeiramente de uma perspectiva ampla, Ladd e eu discordamos acerca da relação de Apocalipse 20:1-6 com 19:11-16. A posição de Ladd é: “Os acontecimentos de Apocalipse 20 seguem-se à visão da Segunda Vinda de Cristo, que é retratada em 19:11-16” (p. 31). Concordo que Apocalipse 19:11-16 descreve a Segunda Vinda de Cristo. Mas não concordo que o que é descrito no capítulo 20 segue-se necessariamente de forma cronológica ao que é descrito no capítulo 19, da mesma forma que o que é descrito no capítulo 12 (o nascimento do filho varão) ao que é descrito nos últimos versos do capítulo 11 (o julgamento dos mortos e a entrega de recompensas aos santos). Os motivos porque creio que Apocalipse 20:1 leva-nos novamente ao princípio da era do Novo Testamento estão no meu ensaio, páginas 142 a 145.

Concentrando-me em Apocalipse 20:1-6, devo admitir que a interpretação de Ladd destes versos faz sentido e é coerente com a interpretação que ele adotou ao relacionamento entre os capítulos 19 e 20. Não tenho dificuldades em reconhecer sua exegese desta passagem como uma opção válida para os evangélicos, e gosto da maneira cuidadosa e lúcida, própria de um estudioso, em que ele expõe seus pontos de vista.

Mas discordamos, realmente, em nossa interpretação desta passagem. Confio, porém, que ele e os outros que partilham de seus pontos de vista estejam prontos a reconhecer que minha interpretação não vem de uma abordagem liberal da escritura nem de um arrogante abandono do texto, mas de um modo diferente de entender as palavras que estão diante de nós.

Discordo quanto aos seguintes quatro assuntos: Primeiramente, Ladd não nos diz muita coisa do acorrentamento de Satanás descrito nos versos 1 a 3. Ele não diz exatamente o que pensa significar o acorrentamento nem mostra com precisão o que entende por “não mais engane as nações”. Ele não relaciona o acorrentamento de Satanás mencionado aqui com as passagens nos Evangelhos que falam de tal acorrentamento como tendo começado já no tempo da primeira vinda de Cristo (veja as p. 146 a 149 de meu ensaio). Tentei mostrar que é possível entender-se o acorrentamento de Satanás em Apocalipse 20:1-3 como significando que Satanás não pode impedir a propagação do Evangelho durante a presente era, não pode reunir os inimigos de Cristo para atacar a igreja, e que esse acorrentamento acontece durante toda a era da igreja do Novo Testamento (veja ps. 146 a 149).

Em segundo lugar, Ladd traduz a palavra grega ezesan, em ambas as suas ocorrências nesta passagem, por “tornaram à vida” (p. 33). Esta é, confirmo, uma tradução possível.
Outra tradução igualmente possível, porém, é como faz a American Standard Version (Nota do tradutor: assim como as versões mais utilizadas em português): “viveram”.

Em terceiro lugar, Ladd interpreta ezesan em ambos os casos como ressurreição física. Concordo com ele que a palavra precisa ter o mesmo significado as duas vezes que é utilizada, e que é uma exegese irresponsável dar um significado à primeira ocorrência da palavra e outro à segunda. Porém, entendo a palavra como é utilizada aqui com o significado não de regeneração, mas transição da morte física para a vida com Cristo no Céu durante o período entre a morte e a ressurreição (p. 155). Os crentes falecidos tomam parte nessa vida, mas os incrédulos não (ps. 152 a 155).

Ladd entende ezesan nos versos 4 e 5 como o significado de ressurreição física em ambos os casos. Para apoiar essa interpretação ele indica duas outras passagens no livro de Apocalipse onde ezesan tem este significado: 2:8 e 13:14. Concordo com ele sobre 2:8, mas não 13:14. A segunda passagem fala da besta, “que recebera a ferida da espada e vivia”. Ladd comenta que a ferida foi “ferida mortal”, ou ferida que levou à morte, e que “vivia” aqui, portanto, significa ressurreto dentre os mortos (p. 35). Mas o verso 3, a que se refere, não diz que a besta morreu, mas que uma de suas cabeças foi “como ferida de morte, e a sua chaga mortal foi curada”. A palavra grega hõs usada aqui diz-nos que a besta não foi morta, mas apenas pareceu ter sido morta. Por esta razão creio que “vive”, no verso 14, não pode significar ressurreição física.

Há, no entanto, outros usos do verbo zao (de onde vem ezesan) no livro de Apocalipse que não tem o significado de ressurreição física. Em 7:2 e 15:7, por exemplo, a palavra é usada para descrever o fato que Deus vive para sempre; em 3:1 é usada para descrever o que poderíamos chamar de uma vida espiritual: “tens nome de que vives, e estás morto”. A referência a outros usos do verbo zao, portanto, não pode ter força decisiva neste assunto.

Eu prefiro fazer alusão ao paralelo de Apocalipse 20:4,5 e que encontramos no capítulo 6:9-11. Aqui, João viu “as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram” (veja a semelhança na linguagem, com 20:4: “as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus”). Essas almas de mártires falecidos estão aparentemente conscientes e podem se comunicar; são-lhes dadas vestiduras brancas e lhes dizem que repousem. As vestiduras brancas e o descanso sugerem que eles estão gozando um tipo de bênção provisória, que aponta para o eschaton final. Esta é exatamente a situação das almas descritas do capítulo 20, que diz-se que reinam com Cristo enquanto esperam a ressurreição do corpo, que ainda não ocorreu (veja 20: 11-13). Apesar da palavra “viveram” (ezesan) não ser usada em 6:9-11, a situação descrita nestes versos é paralela à situação descrita em 20:4.

Minha interpretação do significado de ezesan, portanto, não está em desarmonia com o restante do livro de Apocalipse. Também não está em desarmonia com o restante do capítulo 20, que prediz a ressurreição do corpo e o julgamento final no fim do capitulo, após a descrição do reinado de mil anos. Apesar dos pré-milenistas costumarem entender a ressurreição descrita nos versos 11-15 como ressurreição dos incrédulos mortos apenas, não há indicação nestes versos que a ressurreição mostrada aqui limita-se a eles. Na verdade, o verso 15 diz: “E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo”.
Mas há alguma indicação de que nenhum dos que diz-se aqui foram ressuscitados dos mortos foi achado inscrito no livro da vida?

Em quarto lugar, concordo que o governo de Cristo agora é praticamente invisível (embora não inteiramente) e que esperamos a expressão visível total desse governo após o retorno de Cristo. Mas porque limitar essa expressão visível a um período de mil anos? Por que essa expressão visível do governo de Cristo precisa ainda acontecer, como Ladd diz na página 37, na História (quer dizer, “no mundo como nós o conhecemos”)? Por que, por exemplo, os crentes precisam ser ressuscitados para viver num mundo que ainda não foi glorificado e ainda geme por causa da presença do pecado, rebelião e morte (veja 8:19-22)? Por que o Cristo glorificado precisaria voltar à terra para governar sobre seus inimigos com vara de ferro e assim ter de suportar ainda oposição à sua soberania? Esta fase de sua obra não ficou completa durante seu estado de humilhação? Não está Cristo voltando na plenitude de sua glória para introduzir, não um período intermediário de paz e bênçãos limitadas, mas o estado final da perfeição ilimitada?

 

[01] Resposta do amilenista Anthony A. Hoekema ao ensaio do pré-milenista histórico George Eldon Ladd no livro: CLOUSE, Robert G. "Milênio: significado e interpretações". Campinas, SP: Luz para o Caminho, pp. 50-54.

 

Fonte: Página da Verbum Publicações no facebook.

https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=251642828608391&id=174566262982715

 

João 6:44 Ensina Graça Irresistível? Por Kangaroodort from ArminianPerspectives

31/01/2017 01:58

João 6:44 Ensina Graça Irresistível?

por Kangaroodort from ArminianPerspectives
Tradução: Credulo from this WordPres Blog

Como afirmei em meu último post, não há mais importante questão acerca da controvérsia entre arminianismo e calvinismo que a questão da prioridade sobre fé e regeneração. R.C. Sproul escreve,

Um ponto cardeal da teologia reformada [calvinismo] é a máxima: “Regeneração precede fé”. Nossa natureza é tão corrupta, o poder do pecado é tão grande, que a não ser que Deus faça uma obra sobrenatural em nossas almas nós jamais escolheremos Cristo. Não cremos para nascer de novo; nós nascemos de novo para crer. (Chosen By God, pg. 72)

Enquanto muitos calvinistas se recolherão ante esta acusação, eles estão basicamente dizendo que ninguém crê até ser salvo [nascido de novo]. Esta é a conclusão nua e necessária quando a cortina de fumaça teológica da teologia reformada finalmente se desfaz. Creio já ter demonstrado efetivamente por que tal doutrina é incompatível com a Palavra de Deus no meu último post. Vou agora levar algum tempo considerando alguns “textos-prova” que calvinistas têm oferecido para dar suporte à sua doutrina de regeneração irresistível. Começarei aqui onde R.C. Sproul começara em Chosen by God, com João 6:44,

Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.{João 6:44 BLIVRE}

Sproul afirma desta passagem, “A palavra-chave aqui é trouxer”. Após breve, e um tanto imprecisamente, descrever a visão arminiana que este trazer em Jo 6:44 não é irresistível, ele conclui

Estou convencido que a explicação acima [de que tal trazer é um “cortejo” resistível], que é tão disseminada, é incorreta. Ela violenta o texto da Escritura, particularmente o significado bíblicoda palavra trazer. A palavra grega usada aqui é elko. O Kittel’s Theological Dictionary of the New Testament a define como significando coagir por superioridade irresistível. Linguística e lexicograficamente, a palavra significa “coagir” (ibid. pg. 69).

Ele então cita Tg 2:6 e At 16:19, em que a mesma palavra grega é usada para arraste forçado.

Steve Witzki, um dos contribuidores da revista The Arminian observou as alegações lexicográficas de Sproul e obteve alguns resultados surpreendentes. Ele escreve,

Após investigar a definição do “Big Kittel” pessoalmente, me surpreendi que ela não concorde com a definição de Sproul sobre trazer. Albrecht Oepke comenta que no uso de helkuo por João “força ou magia podem ser descontados, mas não o elemento sobrenatural” [TDNT, 2:503]. Mesmo assim, para a definição de Sproul servir, o uso de João tem que significar coagir ou forçar. Quando eu me coloquei a procurar o que o “Little Kittel” (a edição volume-único do trabalho massivo de dez volumes do Kittel) tinha a dizer sobre “trazer”, fiquei chocado sobre o que ele dizia em comparação com as asserções dogmáticas de Sproul. Eis o comentário completo como traduzido e condensado por Geoffrey Bromiley:

O significado básico é “arrastar”, “trazer”, ou no caso de pessoas, “coagir”. Ela pode ser usada como “trazer” a um lugar por magia, como demônios sendo “trazidos” à vida animal, ou como a influência interna da vontade (Plato). A palavra semítica tem um conceito de de um trazer irresistível a Deus (cf. 1 Sm 10:5; 19:19; Jr 29:26; Os 9:7). No AT kelkein denota um impulso poderoso, como em Ct 1:4, que é obscuro mas retrata a força do amor. Este é o ponto nas duas importantes passagens em Jo 6:44, 12:32. Não há ideia alguma aqui de força ou magia. O termo figurativamente expressa o poder sobrenatural do amor de Deus ou de Cristo que alcança a todos (12:32) mas sem o qual ninguém pode vir (6:44). A contradição aparente mostra quetanto a eleição quanto a universalidade da graça devem ser tomadas seriamente; a compulsão não é automática [p. 227].

Como é? A compulsão não é automática? Mas é exatamente isto que Sproul e outros calvinistas argumentam que helkuo significa em João 6:44 – Deus literal e irresistivelmente coage, arrasta ou força o eleito a vir a Cristo. Sim, Helkuo pode literalmente significar arrastar, coagir ou forçar em certos contextos (Jo 18:10,21:6,11; At 16:19,21:30; Tg 2:6),mas não é o significado léxico do contexto de Jo 6:44, nem da mesma maneira, Jo 12:32. Sproul confiantemente afirma que “linguística e lexicograficamente, a palavra significa coagir”, mas cadê a citação de toda a evidência léxica em apoio à sua afirmação? [Steve Witzki, Free Grace or Forced Grace?, The Arminian, Vol. 19, issue 1] Você pode ler o restante do artigo aqui.

Eu adicionaria a descrição de helkuo dada no Vine’s Expository Dictionary of Old and New Testament Words,

HELKUO, trazer, difere de suro como trazer a partir de arraste violento… Esta violência menos significativa, geralmente presente em helkuo, mas sempre ausente em suro, é vista no uso metafórico de helkuo, significando trazer por poder interno, impulso divino, Jo 6:44; 12:32. (328)

Aqui, a própria conexão que os calvinistas às vezes tentam fazer (que helkuo em Jo 6:44 se refere a um arraste violento) é plenamente descartado.

Concordo com o julgamento de Forlines ao responder a um argumento semelhante proposto pelo calvinista Robert W. Yarbrough,

Penso que a evidência que Yarbrough apresenta sugere que o trazer de Jo 6:44 é forte. Não tenho problemas com a ideia de que o trazer falado em Jo 6:44 é um “trazer forte”. Mas tenho problemas com falar dele como uma “atração forçada”. Uma palavra usada literalmente pode ter uma força causal quando lidando com relacionamentos físicos. Porém, não podemos exigir que tal palavra tenha a mesma força causal quando é usada metaforicamente com referência a um relacionamento de influência e resposta. Jo 6:44 fala de um relacionamento pessoal de influência e resposta. (F. Leroy Forlines, The Quest for Truth, pg. 386- emphasis his)

É bem claro dos comentários de Sproul e dos teólogos reformados, que eles veem o trazer de Jo 6:44 se referindo à regeneração irresistível. Em outras palavras, “trazer” é sinônimo de “dar vida”. Portanto uma paráfrase adequada do ponto de vista calvinista seria

“Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou primeiro lhe der vida”

Então, de acordo com a doutrina reformada, ninguém pode “vir” a não ser que primeiro seja regenerado [i.e. dado vida]. Apenas aqueles que foram primeiro dados vida espiritual podem “vir” a Cristo. Enquanto esta interpretação pode se alinhar com os ensinos do calvinismo, ela torna sem sentido duas passagens correlatas do evangelho de João. Considere Jo 5:40,

E não quereis vir a mim, para que tenhais vida.{João 5:40 BLIVRE}(ênfase minha)

Jesus afirmou àqueles judeus que ter vida era o resultado de vir a Ele. O calvinismo ensina que vir a Jesus é o resultado de já ter recebido vida! Se a interpretação calvinista de Jo 6:44 é precisa então Jesus deveria ter dito

“E não quereis vir a mim, porque Eu não vos dei vida”.

Quando lidando com Jo 6, calvinistas são ligeiros em apontar “vir” como sinônimo de fé. Eles c hegam a esta conclusão comparando o paralelismo em Jo 6:35. Eles então leem esta conclusão em Jo 6:37,44,45 e 65. Eles provavelmente concordaiam que quando Jesus fala de comer Sua carne e beber Seu sangue, Ele também fala de fé, dado que ninguém pode ter tal relacionamento com Deus exceto mediante a fé. Jo 6:51-18 confirmaria isto:

Este é o pão que desceu do céu, para que o ser humano coma dele e não morra. Eu sou o pão vivo, que desceu do céu; se alguém comer deste pão, para sempre viverá. E o pão que eu darei é minha carne, a qual darei pela vida do mundo. Discutiam, pois, os Judeus entre si, dizendo: Como este pode nos dar [sua] carne para comer? Jesus, então, lhes disse: Em verdade, em verdade vos digo, que se não comerdes a carne do Filho do homem e beberdes seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come minha carne e bebe meu sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque minha carne verdadeiramente é comida; e meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come minha carne e bebe meu sangue, em mim permanece, e eu nele. Como o Pai vivo me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim quem come a mim também por mim viverá. Este é o pão que desceu do céu. Não como vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre. {João 6:50-58 BLIVRE}

É claro destas passagens que se deve primeiro [pela fé] comer e beber da carne e do sangue de Jesus antes de experimentar vida. A vida reside em Cristo e flui naqueles que partilham dEle pela fé. Se o conceito calvinista de regeneração anterior à fé fosse preciso, então novamente esperaríamos Jesus dizendo algo como

Se alguém comeu deste pão [pela fé] é prova de que ele já estava vivo. Este pão é minha carne que eu darei apenas aos que eu elegi incondicionalmente e regenerei irresistivelmente no mundo… Lhes digo a verdade, a não ser que vocês tenham sidos feitos vivos, não podem comer da carne fo Filho do Homem ou beber de Seu sangue. Todo a quem for dada vida eterna comerá da minha carne e beberá do meu sangue, e eu o levantarei no último dia… então aquele que está vivo se alimentará de mim… seus pais comeram maná e morreram, mas aquele que já está vivo para sempre comnerá deste pão.

A escrita é clara. Vida eterna reside em Cristo Jesus (Jo 1:4,5:26,6:35,11:25,14:6; 1Jo 1:2,5:11; Cl 3:4), e apenas aqueles que vierem a Cristo em fé experimentarão esta vida. A doutrina reformada de que se deve primeiro experimentar vida primeiro, antes que possa vir, está em desarmonia com o testemunho da Palavra de Deus.

O contexto de João seis e a ênfase teológica do evangelho de João proíbem a interpretação calvinista de Jo 6:44. O entendimento arminiano de graça preveniente, porém, faz jus ao contexto de Jo 6 e ao tom geral do evangelho de João. Steve Witzki diz bem quando conclui,

Vamos rever os últimos comentários sobre a palavra trazer do “little Kittel”:

Não há ideia alguma aqui de força ou magia. O termo figurativamente expressa o poder sobrenatural do amor de Deus ou de Cristo que alcança a todos (12:32) mas sem o qual ninguém pode vir (6:44). A contradição aparente mostra quetanto a eleição quanto a universalidade da graça devem ser tomadas seriamente; a compulsão não é automática.

O que é mais irônico em toda esta discussão é que a definição acima coincide graciosamente com a doutrina arminiana/wesleyana de graça preveniente – uma doutrina que R.C. Sproul nega que a Bíblia ensine [pp. 123-125]. Arminianos e wesleyanos creem que a graça divina trabalha nos corações e desejos de cada pessoa para extrair um resposta em fé ou como Thomas Oden coloca tão bem, “o amor de Deus habilita precisamente aquela resposta no pecador que a santidade de Deus demanda: confiança na própria graça ofertada de Deus” [The Transforming Power of Grace, p. 45].

A graça preveniente ou capacitante de Deus é moralmente atrativa de todas as pessoas para Si Mesmo (Jo 12:32). Esta obra graciosa de Deus não coage ou forçaninguém a crer mas habilita todos a respoder ao comando de Deus de afastar-se do pecado em arrependimento, e achegar-se ao Salvador Jesus Cristo em fé. Portanto, com toda a força do calvinismo, a salvação pode ser completamente atribuída a Deus, mas sem negar a genuína responsabilidade humana como o calvinismo o faz. (Witzki, Free Grace or Forced Grace?)

Concluímos com a pura declaração de Jo 20:30-31,

Jesus fez também ainda muitos outros sinais ainda em presença de seus discípulos, que neste livro não estão escritos; Porém estes estão escritos, para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus; e para que crendo, tenhais vida em seu nome. {João 20:30-31 BLIVRE}

Quem são aqueles que Deus de antemão conheceu? Por Thiago Velozo Titillo

25/01/2017 23:46

Quem são aqueles que Deus de antemão conheceu?

 

Thiago Velozo Titillo[1]

 

“Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8.29)

 

            A soteriologia é o ramo da teologia que estuda a doutrina da salvação. Há uma grande disputa entre calvinistas e arminianos sobre o vocábulo grego proégno, traduzido no texto em tela por “de antemão conheceu”.

A palavra é formada pelo prefixo pro, que significa “antes de”, e o verbo ginõskõ, cujo significado é “saber”, “conhecer”. O substantivo cognato prognosis significa “presciência”, “previsão”.

Os teólogos calvinistas discordam do significado supra, pelo menos nas passagens que a palavra tem relação com a doutrina da eleição. Louis Berkhof diz que “o sentido das palavras proginoskein e prognosis no Novo Testamento não é determinado pelo uso que delas é feito no grego clássico, mas pelo sentido especial de yada’.[2] Elas não indicam simples previsão ou presciência intelectual, a mera obtenção de conhecimento de alguma coisa de antemão, mas, sim, um conhecimento seletivo que toma em consideração alguém favorecendo-o, e o faz objeto de amor, e, assim, aproxima-se da ideia de predeterminação”.[3]

A eleição condicionada à fé é um dos pontos inegociáveis da soteriologia arminiana. Não poucas vezes, Romanos 8.29 é usado como respaldo para defender a ideia. Todavia, os intérpretes calvinistas reclamam que o texto não menciona algo como a fé, ou qualquer outra coisa que Deus tenha previsto nas pessoas. Deus não previu algo, mas as próprias pessoas: “aqueles que” [“aos que”], e não “o que”.

O argumento calvinista se concretiza nas palavras de John Stott: “[...] Deus conhece todo mundo e todas as coisas de antemão, ao passo que Paulo está se referindo a um grupo específico”.[4] E aqui, seus proponentes afirmam que o grupo específico é formado por aqueles que são objetos do amor eletivo de Deus. Mas será que é isso que Paulo tem em mente?

Jacó Armínio considerou o versículo 29 afirmando que os dois significados da expressão “aos que dantes conheceu” – amor eletivo prévio e conhecimento prévio – não se excluem, “de modo que o primeiro não pode ser verdadeiro sem o segundo. Isso será evidente, desde que seja demonstrado que Deus não pode ‘amar previamente e considerar, afetuosamente, como seu’ a nenhum pecador, a menos que Ele o conheça previamente, em Cristo, e o considere como um crente em Cristo”.[5] Em seguida, Armínio cita algumas passagens para provar que Deus [...] não escolhe a ninguém para a vida eterna, exceto em Cristo e por Cristo. ‘Ele nos elegeu nele’ (Ef 1.4)”.[6] Mas o texto de Romanos 8.29 apoia isso? Penso que sim.

Como observa o erudito arminiano, Jack Cottrell, “O versículo 29 começa (após a conjunção) com o pronome relativo ‘quem’ (traduzido ‘aos’ na NVI). Como regra geral esperaríamos um antecedente para este pronome, e aqui o encontramos no v. 28, a saber, ‘aqueles que amam a Deus’. Deus pré-conheceu aqueles que o amariam, isto é, ele pré-conheceu que em algum momento de suas vidas eles viriam a amá-lo e continuariam a ama-lo até o fim. Veja o paralelo em 1Co 8.3, ‘Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele’ (ACF).[7]

Em outras palavras, Deus anteviu como sendo seus aqueles que o amariam em resposta à sua graça. Isso é apenas uma outra maneira de se referir àqueles que estão em uma união redentora com Cristo, ou, como Paulo prefere, “estão em Cristo” (cf. Rm 8.1, 2, 9, 10, 39), o que pressupõe fé salvadora. A conclusão inevitável é que Paulo tem em vista aqueles cuja resposta amorosa a Deus denuncia sua união com Cristo pela fé. A estes Deus conheceu. E, conforme o texto diz, os destinou à glória eterna, quando finalmente os filhos de Deus serão completamente conformados à imagem do Primogênito.

 
Fonte: O Wesleyano do Século XXI - Ano II, nº 4, DEZ. 2016.
 
Disponível em: https://salcultural.com.br/wesleyano/index.php/2016/12/30/quem-sao-aqueles-que-deus-de-antemao-conheceu/


[1] Thiago Velozo Titillo é pastor batista, especialista em Teologia Bíblica e Sistemática-Pastoral pela Faculdade Batista do Rio de janeiro, graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Betel, e licenciado em Letras pela Universidade Estácio de Sá. É professor da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), do Seminário Teológico Betel e do Seminário Teológico Evangélico Peniel. Além de escrever artigos e resenhas para revistas especializadas, é autor de Eleição condicional e A gênese da predestinação na história da Teologia Cristã, ambos publicados pela Editora Reflexão.

[2] Do hebraico, “conhecer”.

[3] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristão, 2007, p. 105.

[4] STOTT, John. A mensagem de Romanos. São Paulo: ABU, 2007, p. 300.

[5] ARMÍNIO, Jacó. Um exame de William Perkins. In: As obras de Armínio. Volume 3. Rio de Janeiro: CPAD, 2015, p. 303.

[6] Ibid.

[7] Apud TITILLO, Thiago. Eleição condicional. São Paulo: Reflexão, p. 22. 

 

Sobre Atos 13.48, por Thiago Titillo

24/01/2017 02:14

A quarta passagem se encontra no disputado versículo de Atos 13.48: “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”. Arthur Pink afirma sobre este versículo:

Todas as artimanhas da engenhosidade humana têm sido empregadas para obscurecer o significado deste versículo e para explicar de outro modo o sentido óbvio de suas palavras; mas todas as tentativas têm sido em vão; [...]. Aprendemos aqui quatro coisas: Primeira, que o ato de crer é a consequência e não a causa do decreto divino. Segunda, que somente um número limitado foi destinado ‘para a vida eterna’; porque se todos os homens, sem exceção, fossem assim destinados por Deus, então as palavras ‘todos os que’ formariam uma qualificação sem qualquer significado. Terceira, que esse ‘destino’ pronunciado por Deus não se refere a meros privilégios externos, mas à ‘vida eterna’ não a algum serviço, mas à salvação. Quarta, que ‘todos os que’ – e nenhum a menos – são destinados por Deus para a vida eterna certamente crerão.[1]

A interpretação dessa passagem depende do significado atribuído à palavra tetagmenoi, particípio passivo do verbo tassõ. O verbo tassõ tem um campo semântico amplo. Em seu verbete, no Dicionário Teológico do Novo Testamento, Delling diz: “Essa palavra significa ‘designar’, ‘ordenar’, com nuanças tais como ‘organizar’, ‘determinar’, ‘pôr no lugar’, ‘estabelecer’ e, na voz média, ‘fixar por si mesmo’”.[2]

Se o verbo tassõ for considerado voz média, deve ser entendido como “fixar por si mesmo”, “dispor-se”, “ordenar-se”, como Rotherham traduz: “E aqueles das nações, ao ouvir isso, começaram a se regozijar e a glorificar a Deus, e eles creram – tantos quantos se haviam tornado dispostos para a vida duradoura”.[3] A expressão “se haviam tornado dispostos” exclui uma interferência externa sobre a vontade humana. O fato da palavra ser absoluta, sem indicar quaisquer agentes em particular, favorece essa tradução.

Ferreira e Myatt tentam descartar essa possibilidade: “O argumento de alguns arminianos de que em τεταγμένοι (tetagmenoi) o particípio passivo do verbo τάσσω (tassõ [designar]) deve ser voz média (“os que se designaram”) não é coerente com o contexto e também seria redundante”.[4] Mas muitos outros discordam dessa afirmação. “Citando exemplos, Bloomfield afirma (assim como outros) que a voz passiva de tasso frequentemente transmite o sentido médio [...]”.[5]

“Crisóstomo vai além ao dizer que a expressão tetagmenoi é empregada para indicar que o assunto não é uma questão de necessidade, nem daquilo que é compulsório. E, assim, longe de favorecer o sistema de um decreto absoluto, as palavras levariam à conclusão oposta, de que o Criador, embora ‘prendendo a natureza ao destino, deixou livre a vontade humana’”.[6]

Já vimos que o testemunho de Crisóstomo não pode ser ignorado. Os pais gregos não viram nessa passagem qualquer sugestão de um decreto absoluto daqueles que deveriam ser salvos. Henry Alford menciona o questionamento que Wordsworth faz da relação entre a Vulgata e a disseminação do pensamento determinista no cristianismo ocidental, e salienta que os pais orientais, versados na língua do Novo Testamento, rejeitavam a interpretação predestinista do texto proposta pelos pais da igreja ocidental:

Wordsworth também observa que seria interessante inquirir qual influência tais construções como esta de praeordinati na versão Vulgata tiveram sobre as mentes de homens como Santo Agostinho e seus seguidores na Igreja Ocidental, ao tratar das grandes questões do livre-arbítrio, da eleição, da reprovação, e da perseverança final: e alguns escritores das igrejas reformadas que, embora rejeitando a autoridade daquela versão, ainda assim foram influenciados por ela, afastando-se do sentido original aqui e no capítulo 2.47. A tendência dos Pais orientais, que liam o original grego, foi, ele destaca, para uma direção diferente daquela da escola ocidental.[7] (Ênfase minha)

            Shank observa que a Vulgata insere o prefixo pre à palavra ordinati, quando no texto grego tetagmenoi não vem acompanhado do prefixo pro: tassõ, e não protassõ. Ele observa ainda que a agência humana declarada no versículo 46 contraria a ideia de que Lucas tivesse em mente a agência divina no verso 48.[8]

John William McGarvey diz em seu New Commentary on Acts of Apostles:

Na passagem diante de nós o contexto não apresenta nenhuma alusão a algo feito por Deus para uma parte da audiência, e não feito para a outra, ou a algum propósito firmado a respeito de uma e não de outra, mas fala de dois estados de mente contrastados entre o povo, e dois consequentes cursos de conduta. Dos judeus presentes é dito, em primeiro lugar, que eles estavam cheios de inveja; em segundo lugar, que eles estavam contradizendo o que Paulo falava, e blasfemavam; em terceiro lugar, que eles julgaram a si mesmos indignos da vida eterna. Em contraste com estes, os gentios, em primeiro lugar, estavam alegres; em segundo lugar, eles glorificavam a palavra de Deus; em terceiro lugar, eles estavam τεταγμενοι para a vida eterna. Agora, qual dos significados específicos da palavra grega iremos aqui inserir? Ela se encontra contrastada com o ato mental dos judeus ao julgarem-se indignos da vida eterna, e a lei da antítese exige que a entendemos de algum ato mental de natureza oposta. A versão, estavam determinados, ou estavam dispostos para a vida eterna, é a única admitida pelo caso. O verbo está na voz passiva e no tempo passado, e, portanto, descreve um estado mental produzido antes do momento do qual o escritor está falando. Em outras palavras, a afirmação que “creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna” implica que eles foram levados a esta determinação antes que creram. Em algum momento anterior em sua história, estes gentios, que nasceram e foram educados no paganismo, ficaram sabendo da vida eterna como ela era ensinada pelos judeus. Sob o ensino dos judeus ou sob o ensino de Paulo desde sua chegada em Antioquia, ou sob ambos, eles foram levados de um estado de confusão mental sobre este assunto transcendentalmente importante a uma determinação para obter a vida eterna se possível.[9]

A leitura atenta do capítulo 13 derrama bastante luz sobre o uso do verbo em questão. Paulo e Barnabé chegaram a Antioquia da Psídia num sábado, dirigindo-se à sinagoga local (v. 14). Ali, Paulo dirigiu seu testemunho aos “varões israelitas” e a “vós outros que também temeis a Deus” (v. 16; cf. v. 26), que são os gentios. O texto bíblico diz que, após uma breve apresentação do evangelho, não apenas “rogaram-lhes que, no sábado seguinte, lhes falassem estas mesmas palavras” (v. 42), mas “muitos dos judeus e dos prosélitos piedosos seguiram Paulo e Barnabé” (v. 43). Não há qualquer afirmação de que essas pessoas se converteram e foram salvas naquela ocasião, mas ao menos pareciam dispostas a ouvir mais do evangelho de Cristo.[10] Vendo a boa disposição deles, Paulo e Barnabé “os persuadiram a perseverar na graça de Deus” (v. 43).

No sábado seguinte, os dois missionários retornaram à sinagoga para pregar o evangelho, e uma multidão foi ouvi-los (v. 44). Isso gerou inveja nos judeus, que passaram a contradizer Paulo com blasfêmias (v. 45). Diante dessa rejeição, eles se dirigiram para o outro grupo, formado por gentios tementes a Deus, que já os seguiam desde o sábado anterior (v. 46). A disposição de coração destes era radicalmente diferente daquela apresentada pelos judeus. Eles receberam a mensagem com alegria e creram, porque seus corações já estavam dispostos desde primeira pregação de Paulo naquela sinagoga. Assim, o uso de tetagmenoi quando interpretado à luz do contexto, favorece a interpretação arminiana, ao contrário do que sugerem Ferreira e Myatt.

Por fim, o teólogo calvinista J. O. Buswell nega que o versículo se refira à predestinação para a salvação:

Na verdade, as palavras de Atos 13.48, 49 não são necessariamente qualquer referência à doutrina do decreto eterno de Deus sobre a eleição. O particípio passivo tetagmenoi pode simplesmente significar ‘pronto’, e podemos muito bem ler: ‘Todos os que foram preparados para a vida eterna, creram’.[11]

 
 
Fonte: TITILLO, Thiago. Eleição Condicional. 1. ed. São Paulo: Reflexão, 2015, pp. 71-75.

[1] PINK, 2002, pp. 53-54.

[2] KITTEL; FRIEDRICH, 2013b, p. 548.

[3] ROTHERHAM apud SHANK, op. cit., p. 194.

[4] FERREIRA; MYATT, op. cit., p. 750, nota de rodapé 152.

[5] SHANK, op. cit., p. 194.

[6] BLOOMFIELD apud SHANK, ibid., p. 195.

[7] ALFORD apud SHANK, ibid., p. 192.

[8] SHANK, Ibid, pp. 192-193.

[9] McGARVEY, John William. At 13.48. Tradução: Cloves Rocha dos Santos. Disponível em: <www.arminianismo.com> Acesso em 25 de agosto de 2015.

[10] Cornélio era um “homem reto e temente a Deus” antes mesmo de ouvir a mensagem evangélica de Pedro (10.22).

[11] BUSWELL apud GEISLER, 2001, p. 46.

 

Resenha do livro "Teologia Arminiana: Mitos e Realidades", de Roger Olson, por Thiago Velozo Titillo

30/01/2014 17:24
OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Tradução  Wellington Carvalho Mariano. São Paulo: Editora Reflexão, 2013.

 

Por Thiago Velozo Titillo[1]

 

Roger E. Olson – Ph. D. pela Rice University – é professor de teologia no George W. Truett Theological Seminary da Baylor University em Waco, Texas. Tornou-se popular no Brasil após a publicação da sua consagrada História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradições e reformas, publicada pela Editora Vida. Em nosso vernáculo, também se encontram publicadas as seguintes obras de sua autoria: História das controvérsias na Teologia Cristã: 2000 anos de unidade e diversidade (Editora Vida), Iniciação à Teologia, em coautoria com Stanley J. Grenz (Editora Vida), A teologia do século 20: Deus e o mundo numa era de transição, também em coautoria com Stanley Grenz (Editora Cultura cristã) e, mais recentemente, Contra o calvinismo (Editora Reflexão).

 

Tal publicação é oportuna a fim de esclarecer o que verdadeiramente ensina a teologia arminiana, tão comumente caricaturada por seus oponentes. O tom conciliatório de Olson ajuda a formar um diálogo saudável.

 

Roger Olson busca desconstruir 10 mitos comuns acerca do arminianismo através da informação. Ei-los: 1) A Teologia Arminiana é oposta à Teologia reformada-calvinista; 2) É possível mesclar calvinismo e arminianismo; 3) O arminianismo não é uma opção evangélica ortodoxa; 4) O arminianismo tem como princípio fundamental o livre-arbítrio; 5) O arminianismo nega a soberania de Deus; 6) O arminianismo é uma teologia antropocêntrica; 7) O arminianismo não é uma Teologia da Graça; 8) O arminianismo nega a predestinação; 9) O arminianismo nega a justificação pela graça através da fé somente; 10) Todos os arminianos creem na teoria governamental da expiação (Hugo Grócio).

 

O primeiro mito é desconstruído à medida que é demonstrado que Armínio era reformado em sua teologia, divergindo apenas da ideia de que Deus predestinou à queda (o mal e o pecado) e elegeu incondicionalmente uma parcela da humanidade para a salvação, ignorando os demais. Armínio enfatizou a glória de Deus e abraçou a Teologia da Aliança (ou Federal). Entre os pontos comuns entre a teologia arminiana e calvinista, encontra-se: 1) a depravação total; 2) a necessidade absoluta da graça; 3) a providência divina (com a diferença de não ser exaustiva e não ter relação positiva com o mal); 4) a inspiração das Escrituras; 5) a cristologia; 6) a Trindade; 7) a justificação; etc. Pode-se afirmar que uma teologia que afirma tais pontos esteja em total oposição ao calvinismo reformado? É claro que há pontos irreconciliáveis, mas no geral, tais teologias não são opostas, mesmo que não sejam complementares. Pelo contrário, guardam muitas semelhanças. Afirmar, como fazem a maioria dos apologistas calvinistas que o arminianismo é uma heresia, e compará-lo ao semipelagianismo é, no mínimo, desonestidade intelectual.

 

O segundo mito nega a possibilidade de uma teologia “calminiana”, justamente por ser impossível afirmar uma regeneração monergista e sinergista ao mesmo tempo e no mesmo sentido. É verdade que tanto os arminianos quanto os calvinistas ensinam a predestinação e o livre-arbítrio – contrário ao conceito popular de que o calvinismo ensina a predestinação e nega o livre-arbítrio, e o arminianismo ensina o livre-arbítrio e nega a predestinação –, mas interpretam estes dois conceitos de maneiras diferentes. Os calvinistas ensinam a predestinação absoluta juntamente com a ideia de livre-arbítrio compatibilista (uma forma de coaduná-lo com o determinismo divino), enquanto os arminianos ensinam a predestinação (no sentido de eleição soteriológica) conforme a presciência divina juntamente com a ideia de arbítrio liberto pela graça preveniente, tornando-se livre-arbítrio libertário, isto é, capaz de fazer escolha diferente e/ou contrária.

 

O terceiro mito é também desvendado. Armínio jamais negou os pontos basilares da fé cristã ortodoxa. Que alguns arminianos posteriores tenham se enveredado pelo semipelagianismo (ou mesmo o pelagianismo), como o remonstrante Limborch, e posteriormente, o avivalista Finney, isso não se nega. Mas tais não representam o arminianismo clássico lançado por Armínio, seguido por Episcópio, recuperado por John Wesley e seguido pela maioria dos metodistas posteriores. Igualmente injusta é a ideia de que o arminianismo conduz ao deísmo e à teologia liberal. Se isso aconteceu com arminianos, não se pode esquecer que Schleiemarcher, pai da teologia liberal, era calvinista. Quanto à acusação de que Armínio fosse sociniano quanto à sua cristologia, basta ler suas obras para ver que ele estava em pleno acordo com as definições cristológicas do Concílio Calcedônia (451).

 

Quanto ao quarto mito, os próprios textos de Armínio dão conta de que o princípio fundamental de sua teologia não é o livre-arbítrio humano. Este é apenas uma consequência do fundamento de sua teologia, a saber, o caráter justo e amável de Deus, que exige uma resposta livre do ser humano a fim de que haja um relacionamento genuíno entre criatura e Criador.

 

Sobre o quinto mito, a teologia de Armínio não nega a soberania divina, nega apenas que tal soberania seja exaustiva em relação a todos os acontecimentos da história, incluindo o mal e a Queda (pecado), pois desta forma, Deus, inevitavelmente, seria o autor do pecado. Ao determinar criar seres livres, o mal se torna verdadeiramente possível, mas Deus não o decreta ativamente. Tal decreto deve ser entendido apenas como permissivo. É claro que Deus tem todo o poder para operar sua vontade antecedente (perfeita) em toda sua criação, mas por valorizar um relacionamento genuíno com suas criaturas não faz uso de poder coercitivo.

 

Um Imperador não deve deixar de ser considerado soberano somente porque não determina exaustivamente as decisões de seus súditos. Claro que toda analogia é imperfeita. Mas imagine outra: um navio com destino a um determinado porto. As pessoas dentro do navio gozam de certa liberdade, mas nada que possa impedir o navio de chegar ao seu destino. Assim é a história governada por Deus: chegará ao seu clímax final. Como diz Olson, Deus é soberano sobre sua soberania, ou seja, Ele pode limitar seu poder sem se tornar um “deus menor”. Nas palavras de Tozer, “um Deus soberano não teme conceder liberdade à sua criação”.

 

Quanto ao sexto mito, a verdade é que o arminianismo confessa a completa e total depravação do homem, de maneira que sua liberdade para escolher o bem espiritual está totalmente arruinada. A vontade humana é totalmente escravizada pelo pecado. As acusações de semipelagianismo[2] é uma falsificação da teologia de Jacó Armínio. Pode ser que tal acusação se baseie na leitura de Limborch, desertor do arminianismo clássico. Mas dificilmente os teólogos calvinistas que leram Limborch não teriam acesso aos escritos de Armínio. Embora a ignorância possa explicar em parte a disseminação da caricatura arminiana, não se pode ignorar uma campanha deliberada para distorcer o pensamento do teólogo holandês, como já acontecia em sua época, quando Francisco Gomaro tomou à frente no projeto de caluniá-lo. A verdade é que a teologia arminiana não é otimista quanto ao homem, mas como o próprio Olson diz, é uma teologia otimista em relação à graça.

 

O sétimo mito afirma que a Teologia Arminiana não é uma Teologia da Graça. Isso porque não defende a graça irresistível. Mas impor ao conceito de “graça” a ideia de irresistibilidade é querer monopolizar seu significado. Para Armínio (e os arminianos clássicos), a salvação do homem depende necessariamente da graça de Deus. O homem é incapaz de salvar-se sem o auxílio da graça. A graça preveniente (graça que vem antes) é necessária para libertar a vontade e capacitar o homem a responder à oferta salvífica do Evangelho. Em certo sentido, o primeiro raiar dessa graça é irresistível, pois todos a recebem.[3] Num segundo momento essa graça torna-se resistível, pois com o livre-arbítrio liberto, o homem pode aceitá-la pela fé – que é dom de Deus, logo não se trata de uma obra meritória –, ou rejeitá-la. Assim, em toda a salvação, a glória é somente de Deus, pois mesmo o ato de aceitar tal graça não se trata de uma aceitação ativa, mas passiva, um simples deixar sem resistência à atuação de Deus.

 

Ao combater o oitavo mito, Olson demonstra que a teologia de Armínio e de seus seguidores não nega a predestinação, embora a entenda de forma diferente do calvinismo. Isso também se aplica aos calvinistas: eles não negam o livre-arbítrio (embora alguns se sintam desconfortáveis com o termo), mas interpretam-no de forma diferente. Armínio, inclusive, defendeu uma predestinação que mais honra mais a pessoa de Jesus Cristo do que a predestinação calvinista. Na ordem dos decretos, conforme a teologia calvinista, o decreto primário de Deus[4] é salvar uns e condenar outros (supralapsarianismo), ou: 1º) criar; 2º) permitir a Queda; 3º) eleger uns, ignorar o restante (infralapsarianismo).[5] Para Armínio, o primeiro e mais importante decreto divino foi estabelecer Jesus Cristo como salvador dos pecadores. Na ordem dos decretos conforme o calvinismo “Jesus Cristo parece aparecer como um decreto posterior ao decreto primário de Deus de salvar alguns e condenar outros” (p. 237). O segundo decreto conforme Armínio é aquele que Deus decretou receber em favor os que se arrependem e creem em Cristo. Nada mais cristocêntrico. Quanto à eleição, Armínio entendeu-a condicional à fé, sendo que Deus elegeu aqueles que Ele anteviu que não rejeitariam sua graça – preveniente e cooperante. Negou a predestinação para o pecado e o mal, mas não a predestinação.

 

O nono mito é uma tentativa de desqualificar Armínio dentro da tradição reformada, afirmando que ele negava a doutrina da justificação pela fé, artigo pelo qual, segundo Lutero, “a igreja permanece de pé ou cai”. Àqueles que negam a Armínio a justificação pela graça somente através da fé deveriam ler urgentemente suas obras. Ele não apenas defende que a justificação se dá através da fé, mas afirma com os demais reformadores que a justiça de Cristo é imputada sobre o crente quando este confia em Jesus para a salvação. Poucos arminianos creem que a própria fé é imputada como justiça (a fé como base da justificação, e não a justiça de Cristo), de maneira que a fé possa ser entendida como resposta humana e base para a justificação, tornando a justificação fruto de obra humana (nesse caso, trata-se de um sério desvio teológico). Há ainda arminianos que creem que por causa (instrumental, e não eficaz) da fé, o crente é considerado justo (sem pecado), mas tal justiça não é a justiça de Cristo imputada. Mas desvios ocorrem dentro de qualquer sistema doutrinário.[6] Contudo, Armínio e boa parte dos seus seguidores defendem que a justiça de Cristo é imputada ao crente pela fé em Jesus. Essa também é a opinião de Olson.

 

O décimo mito imputa a todo arminiano a teoria de Grócio sobre a expiação. Armínio e Wesley não a defenderam. Pelo contrário, criam na substituição penal. Trata-se de mais uma manifestação de ignorância em relação à teologia de Armínio, ou uma tentativa consciente de atribuir a ele um erro doutrinário que lance sombra sobre sua ortodoxia.

 

Antes de recomendar a obra, faz-se necessário uma observação. Preocupou-me a opinião do Olson, um teólogo conservador, acerca do teísmo aberto. Ele pareceu flertar com essa teologia: “Eu considero o teísmo aberto uma opção evangélica legítima e arminiana, mesmo que eu ainda não a tenha adotado como minha própria perspectiva” (nota de rodapé 65, pp. 256-257 – ênfase acrescentada). O advérbio de tempo “ainda” causou-me estranheza. Na p. 258, ele diz: “Por sentir o peso da crítica do teísmo aberto feita ao arminianismo clássico, eu permaneço um arminiano clássico esperando ajudar a aliviar o paradoxo da filosofia” (nota de rodapé 67).

 

Na verdade, o “peso da crítica do teísmo aberto feita ao arminianismo clássico” está longe de ser pesado. O argumento é que se Deus, de fato, conhece exaustivamente o futuro (presciência; onisciência) todas as ações livres que acontecerão, acontecerão da forma como Deus viu, não podendo acontecer de forma contrária, o que segundo o teísmo aberto, faz com que tais decisões não sejam livres. Mas será que essa lógica é irresistível? Não parece. O fato de Deus conhecer infalivelmente que X fará A e não B, não indica que Deus assim determinou, mas que Deus conheceu eternamente a ação livre de X. Agostinho já havia refutado tal ideia em seu diálogo com Evódio – O livre-arbítrio. Um dos maiores filósofos cristãos da atualidade, Alvin Plantinga, também não vê nenhuma contradição entre o livre-arbítrio libertário e a onisciência absoluta de Deus.

 

Por fim, a presente obra é esclarecedora, escrita de forma clara, didática e bem documentada. Preenche uma lacuna no Brasil, onde ainda a teologia calvinista domina o mercado editorial. Por isso, Teologia Arminiana: mistos e realidades é leitura obrigatória para todos os interessados na verdadeira teologia de Jacó Armínio e seus seguidores.
 

Fonte: Azusa Revista de Estudos Pentecostais Volume V – Número 2, 2014, pp. 211-218.

https://www.azusa.ceeduc.edu.br/index.php/azusa/article/view/83

 



[1] Pastor Auxiliar na Primeira Igreja Batista em Botafogo, Rio de Janeiro, onde atualmente exerce a função de Ministro de Casais. Licenciado em Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa – pela Universidade Estácio de Sá. Graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Betel, no Rio de Janeiro. Pós-Graduando em Teologia Bíblica e Sistemática-Pastoral pela Faculdade Batista do Rio de Janeiro. Estuda grego na Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro. É professor da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro (SEEDUC), da Faculdade de Teologia Wittenberg, e do Colégio Souza Marques. Autor do livro A gênese da predestinação na história da Teologia Cristã. Uma análise do pensamento agostiniano sobre o pecado e a graça, publicado pela Fonte Editorial (2014). Contato por e-mail: thiago_titillo@yahoo.com.br.

[2] O semipelagianismo é o sistema doutrinário que buscou encontrar uma via média entre o rígido monergismo agostiniano e os excessos da doutrina de Pelágio. Este partido surgiu no sul da França e teve como seu principal expoente o abade do monastério de Marselha, João Cassiano (c. 360-c. 435). Sproul diz que “ele é tão identificado com o semipelagianismo que este, algumas vezes, é chamado de cassianismo” (SPROUL, R. C. Sola Gratia. A Controvérsia sobre o livre-arbítrio na História. Tradução Mauro Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 72). Dois outros monges – Vicente de Lérins e Fausto de Riez – se ajuntaram a Cassiano a fim de combater a inovação monergista de Agostinho. Defendiam que a Queda prejudicou a vontade humana, mas não eliminou completamente seu livre-arbítrio. Desta forma, restou ao homem decaído uma centelha de livre-arbítrio da vontade, capaz inclusive de achegar-se a Deus antes mesmo de Sua graça preveni-lo.

[3] Para alguns arminianos todos a recebem automaticamente em função da expiação de Cristo, como defendeu John Wesley; para outros, tal graça só é recebida na medida em que o pecador tem contato com a Palavra proclamada, o que exclui aqueles que não tiveram contato com o Evangelho, como pensava Episcópio (p. 216).

[4] Tem-se em vista aqui a ordem lógica dos decretos, e não cronológica, pois Deus sendo eterno, não experimenta sucessão de momentos.

[5] Todavia, mesmo que a reprovação seja vista apenas como “ignorar” – decreto de omissão –, isso não diminui a dupla-predestinação, pois a eleição incondicional exige uma reprovação incondicional.

[6] Os próprios teólogos calvinistas não são unânimes em relação a muitas de suas doutrinas: supralapsarianos discordam dos infralapsarianos; calvinistas de cinco pontos discordam dos calvinistas de quatro pontos (amyraldianistas), dentre outras diferenças internas.

 

Paulo, o apóstolo: vida, escritos e Teologia, por Thiago Velozo Titillo

08/01/2014 18:24

FACULDADE DE TEOLOGIA WITTENBERG

 

Teologia do Novo Testamento III: Escritos Paulinos

 

Paulo, o apóstolo: vida, escritos e Teologia

 

Thiago Velozo Titillo

 

“Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje. Persegui este caminho até a morte, prendendo e metendo em cárceres homens e mulheres, de que são testemunhas o sumo sacerdote e todos os anciãos. Destes, recebi cartas para os irmãos; e ia para Damasco, no propósito de trazer manietados para Jerusalém os que também lá estivessem, para serem punidos” (Atos 22.3-5)

 

“Bem que eu poderia confiar também na carne. Se qualquer outro pensa que pode confiar também na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamin, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo” (Filipenses 3.4-7)

 

I. INTRODUÇÃO

 

            A figura de Paulo é extremamente importante no cristianismo. Dos vinte e sete documentos que formam o cânon do Novo Testamento, Paulo escreveu treze. Hale observa ainda que “quanto aos quatorze livros restantes, Paulo tem grande influência sobre Lucas (que escreveu os dois volumes de Lucas-Atos) e de algum modo está por trás da Epístola aos Hebreus”.[1] Isso colocaria dezesseis escritos do Novo Testamento direta ou indiretamente ligados à pessoa do apóstolo. Percentualmente, os escritos de Paulo perfazem cerca de um quarto do Novo Testamento.[2] Esses documentos são cartas que ele escreveu durante seu ministério a fim de atender as necessidades das igrejas sob sua responsabilidade. Assim, suas cartas são a fonte fundamental da sua teologia, a teologia paulina.

            Paulo era filho de um judeu fariseu da tribo de Benjamin, grupo religioso do qual também fez parte (At 23.6; Fp 3.5). Nasceu na “não insignificante” cidade de Tarso, na província romana da Cilícia (At 21.39; 22.3), Ásia Menor. Quando da sua circuncisão (Fp 3.5), foi nomeado com nome do primeiro rei israelita – Saul (Saulo) –, originário da mesma tribo. Recebeu por direito de nascimento a cidadania romana (At 22.25-29; cf. At 16.37). Nesta condição, Paulo tinha três nomes: um prenome, um nome de família e um sobrenome. Nada se sabe sobre seu prenome e nome de família (romano), apenas seu sobrenome: Paulos.[3] Bortolini afirma que “os judeus da diáspora costumavam ter dois nomes, um nitidamente judeu (Saul ou Saulo) e outro inculturado (Paulo)”.[4] É possível que o nome romano tenha sido preferido por Paulo devido a sua missão entre os gentios, como forma de aproximá-lo daqueles que incorporam a cultura grega dentro do domínio romano.

            Como bem observa Leon Morris, Paulo “transitava bem em dois mundos, o judeu e o helenista (talvez devêssemos acrescentar um terceiro – o mundo romano)”.[5] Sua cidade de nascimento era um dos centros intelectuais do mundo antigo, sendo superada, àquela época, apenas por Atenas e Alexandria.[6] Se Paulo recebeu suas instruções iniciais na cidade de Tarso, é uma questão que exige mais investigação. Em parte, a resposta a essa questão depende de como o texto de Atos 22.3 é interpretado:

 

“Sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado nesta cidade. Fui instruído rigorosamente por Gamaliel na lei de nossos antepassados...” (NVI)

 

            Carson, Moo e Morris observam que o uso do ponto final depois de “nesta cidade” (na tradução NVI) faz uma distinção entre “criado” e a instrução “aos pés de Gamaliel”, sugerindo que a “criação” constante antes do ponto final se refira à educação que Paulo recebeu de seus pais quando criança, em Jerusalém. Assim, apesar de ter nascido em Tarso, logo nos primeiros anos foi morar com seus pais em Jerusalém.

 

“Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados...” (ARA)

 

            A tradução da ARA liga “criei-me” com “fui instruído aos pés de Gamaliel”, possibilitando o entendimento de que as duas expressões se refiram a um único fato: sua educação rabínica aos pés de Gamaliel iniciada na adolescência. Desta forma, Paulo teria sido criado em Tarso e recebido sua educação de base antes de ser enviado à Jerusalém.[7] A possibilidade de Paulo ter estudado em uma das grandes universidades de Tarso, onde teria recebido treinamento filosófico e retórico não passa de conjectura.[8] É verdade que Paulo demonstra em seus escritos familiaridade com a argumentação filosófica, ao ponto de ter discutido com filósofos epicureus e estoicos durante sua segunda viagem missionária (At 17.16-34), além de fazer uso de retórica refinada. O conhecimento que Paulo tinha da língua e da literatura grega é realmente um fato a ser observado. Em Atos 17.28 ele cita Epimênides (c. 600 a.C.) e Cleanto (331-233 a.C.) na primeira cláusula, e Arato (315-240 a.C.), na última; em 1 Coríntios 15.33 Paulo cita Menandro (342-292 a.C.); em Tito 1.12 cita novamente o poeta cretense Epimênides. Seus escritos são permeados de palavras comuns entre os gregos, tais como, “consciência” (Rm 2.15), “natureza” (Rm 2.14), “contente” (Fp 4.11), dentre outras. Apesar de seu interesse ser a Escritura do Antigo Testamento, ele curiosamente prefere a Septuaginta (LXX; tradução grega).

            A verdade é que mesmo em Jerusalém, o helenismo era bem conhecido e aceito. Paulo foi instruído por Gamaliel na escola de Hillel, considerada mais liberal, onde provavelmente o helenismo alexandrino era mais tolerado. Também há que se considerar os dez anos (aproximadamente) que Paulo ministrou em Tarso após a sua conversão, onde pode ter tido contato mais forte com a cultura grega e suas produções literárias e filosóficas (At 9.30). Na verdade, ele passou a maior parte da sua vida adulta na Diáspora. De qualquer forma, Paulo era “hebreu de hebreus” (Fp 3.5), e independentemente de ter ele bebido do judaísmo helenístico (Montefiore), apocalíptico (Schweitzer), rabínico e farisaico (Davies), seu mundo conceitual foi moldado decisivamente por sua criação judaica.[9]

            Baseando-se nos dados encontrados em Atos dos Apóstolos e nas suas cartas, pode-se afirmar com segurança que Paulo estava em Jerusalém durante o ministério de Jesus e sua morte. Embora seja possível que Paulo tenha visto Jesus nos dias de sua carne (cf. 2 Co 5.16), ele mesmo nunca fez tal afirmação.[10]

            Na condição de fariseu leal à lei, Paulo julgava estar fazendo um serviço a Deus ao buscar destruir a nova seita blasfema (cf. Jo 16.2, onde Jesus previu tal conduta). Assim, Saulo se transformou num ζηλωτὴϛ του θεου (zelotes tou theou; “zeloso de Deus”), que por convicção perseguia os discípulos de Jesus (At 22.3-5; 26.5-12; Gl 1.13-14; Fp 3.5-6 – cf. At 8.1-3; 9.1-2).[11]

            Alguma discussão ainda existe acerca de se Paulo foi casado, ou foi celibatário. Sabe-se que era necessário para um rabi ser casado, e que os judeus casavam-se bem cedo. Não ser casado na cultura judaica era vergonhoso. O casamento era uma espécie de “obrigação moral”, pois o crescimento da religião judaica dependia do nascimento de crianças judias. Paulo pode ter sido casado, inclusive alegando o direito de se deixar acompanhar por sua esposa com sustento da igreja, direito este que ele abdicou (cf. 1 Co 9.5). Na mesma carta (7.8) encontramos também a sugestão de que ele possa ter sido solteiro ou viúvo (1 Co 7.8). Ele mesmo não faz qualquer afirmação explícita sobre o assunto.

            Outra questão intensamente debatida é se Paulo foi membro do Sinédrio ou não. Em Atos 26.10, Paulo diz que “contra estes dava o meu voto, quando os matavam”. Marshall, afirma que existiam vários sinédrios, um para cada comunidade, mas como Paulo está descrevendo sua atividade em Jerusalém, é certo que ele participava do Supremo Sinédrio.[12] Champlin, após apresentar as duas interpretações possíveis (1- Paulo como membro do Sinédrio; 2- Sentido figurado que visa apenas afirmar que ele aprovava as decisões do Sinédrio - cf. At 22.20), conclui que se Paulo tivesse sido membro do Sinédrio, ele certamente teria declarado isso de forma mais clara (nesta ou em outra ocasião). Champlin acrescenta que talvez Paulo possa ter sido membro de algum grupo cuja autoridade fora delegada pelo Sinédrio, o que lhe autorizaria a votar em ocasiões como essa.[13] Hale é de opinião que um “mancebo” (“jovem”; cf. At 7.58; gr. νεανίας, neanías) dificilmente pertenceria a um Conselho de “anciãos”. Além do mais, Paulo jamais sugere em suas cartas e nos seus discursos em Atos, que tenha sido membro da suprema corte judaica. As menções constantes em Atos acerca do relacionamento de Paulo com o Sinédrio, em Atos, apresentam-no mais como um funcionário que um membro do Conselho (cf. At 9.1-2; 22.5). Assim, parece que Hale está correto ao entender a expressão de Atos 26.10 como conotação de que ele concordava com os julgamentos do Conselho contra os cristãos.

            Paulo, apesar de ser judeu – israelita da descendência de Abraão, da tribo de Benjamin; cf. Rm 11.1; 2 Co 2.11, do que se orgulhava – e inicialmente ter pensado que seu ministério seria entre judeus (At 22.17-20), logo entendeu sua vocação gentílica. Designava a si mesmo como “apóstolo dos gentios” (Rm 11.13), “ministro de Cristo Jesus entre os gentios” (Rm 15.16), separado antes de nascer e chamado para pregar “entre os gentios” (Gl 1.15-16; cf. Ef 3.8), “prisioneiro de Cristo Jesus, por amor de vós, gentios” (Ef 3.1), e “mestre dos gentios na fé e na verdade” (1 Tm 2.7).[14]

 

II. CRONOLOGIA DO APÓSTOLO PAULO:

 

Nascimento ........................................................................................................................ 1

Conversão (At 9.1-19; 22.3-16; 26.12-18; Gl 1.13-16)  ......................................................... 33

Ministério em Damasco e na Arábia (At 9.20-25; Gl 1.17) ................................................. 33-35

Primeira visita a Jerusalém (15 dias – At 9.26-29; Gl 1.18-20) ............................................... 35

Ministério em Tarso, Cilícia (“anos de silêncio” – At 9.30) ................................................. 35-46

Levado por Barnabé a Antioquia (At 11.19-26) ..................................................................... 46

Visita de socorro aos famintos em Jerusalém (At 11.27-30) ............................................. 46-47

Primeira Viagem Missionária (At 13.1 – 14.28) ............................................................... 47-48

Concílio Apostólico de Jerusalém (At 15.1-35; cf. Gl 2.1ss) ................................................... 49

Segunda Viagem Missionária (At 15.36 – 17.34) .................................................................. 49

Paulo em Corinto (At 18.1-18) ....................................................................................... 50-52

Retorno: por Éfeso, Cesareia, Jerusalém para Antioquia (At 18.18-22) ................................... 52

Terceira Viagem Missionária (At 18.23ss) ............................................................................ 52

Paulo em Éfeso (At 19.1-20) .......................................................................................... 52-54

Visita intermediária a Corinto (2 Co 12.14; 13.1s; cf. 2.1) ................................................. 54-55

Ainda a Terceira Viagem Missionária: Ásia, Macedônia, Ilíria (At 20.1-2a; 2 Co 1.8-10; 2.12s;  7.5; 9.2 – cf. 15.19) ........................................................................................................................................ 56

Terceira visita a Corinto (no inverno – At 20.2b; Rm 15.22ss) .......................................... 56-57

Retorno para Jerusalém por Trôade e Mileto (despedida dos líderes de Éfeso); por via marítima até Cesareia (At 20.3 – 21.14) ....................................................................................................................................... 57

Aprisionamento em Jerusalém (At 21.15 – 22.30) ............................................................... 57

Levado a Cesareia; Aprisionamento por dois anos (At 23.12 – 24.27) ............................... 57-58

Viagem a Roma (At 27.1 – 28.16) ................................................................................. 58-59

Primeiro aprisionamento em Roma por dois anos (At 28.17-31) ....................................... 59-61

Paulo absolvido por Nero antes de estourar a perseguição aos cristãos ................................. 61

Ministério na Espanha, Grécia, Creta e Ásia Menor (Rm 15.24, 28; cf. 1 Clem. 5; Tt 3.12; 2 Tm 4.10-22) .................................................................................................................................. 61-64

Segundo aprisionamento em Roma e morte .................................................................. 64-65

           

III. DATAÇÃO DAS CARTAS DE PAULO

 

Gálatas – 49

1 Tessalonicenses – 50

2 Tessalonicenses – 50-51

1 Coríntios – 54

2 Coríntios – 56

Romanos – 57

Efésios – 60

Filipenses – 60

Colossenses – 60

Filemon – 60

Tito – 64-65

1 Timóteo – 64-65

2 Timóteo – 65

 

IV. CORPUS PAULINUS

 

            O conjunto das cartas de Paulo é chamado de corpus paulinus. É por meio desses escritos de sua autoria e dos seus sermões registrados por Lucas em Atos dos Apóstolos que podemos conhecer o pensamento teológico do apóstolo.

            Todavia, desde o surgimento do método histórico-crítico, no século XVIII, não há mais entre os estudiosos um consenso sobre quais escritos são da pena de Paulo, o apóstolo. Alguns estudiosos chegam a considerar apenas Romanos, 1 Coríntios, 2 Coríntios e Gálatas como de autoria apostólica. As quatro cartas mencionadas são às vezes chamadas de hauptbrieve, que em alemão significa “cartas principais”.[15] Outros incluem Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon no corpus paulinus, deixando de fora Efésios, Colossenses, 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo e Tito. Essas últimas são consideradas deuteropaulinas – escritas por “paulinistas” (discípulos e admiradores) –, em contraposição àquelas cuja autoria de Paulo não é discutida – as paulinas.[16]

            Geralmente, as objeções levantadas contra a autoria paulina se resumem à diferença de vocabulário, temas teológicos e eclesiologia muito desenvolvida para sua época. Pode-se tomar o exemplo de Efésios para ilustrar. A crítica moderna afirma que tal documento não é de Paulo, e para isso, apoiam-se nos seguintes pontos:

 

1)   As diferenças de vocabulário e estilo, e a extensão dos períodos tendem a ser mais longos. Em Efésios, por exemplo, há uso do termo ο διάβολοϛ (ho diabolos = “o difamador, o Diabo”; Ef 4.27; 6.11), enquanto Paulo faz uso comum da expressão ο σατανας (ho satanás; 1 Co 5.5; cf. tb. Rm 16.20).

 

2) A inserção de um conceito novo de igreja: a igreja “universal” (Ef 1.22-23)[17], que aparece em lugar da doutrina comum das igrejas locais em outras cartas.

 

3) A ausência da doutrina escatológica da parousia também é posto na conta contrária à autoria paulina.

 

4) O argumento de que a atitude das relações gentio-judaicas da carta só se tornam possíveis após a queda de Jerusalém e a destruição do Templo sob os romanos, no ano 70 d.C. “O derribamento da ‘parede de separação’ (2.14) só poderia referir-se à época após a destruição do templo”.[18] Antes disso, a distinção entre esses dois elementos eram muito acentuadas ( mesmo na igreja). Mas Paulo fora martirizado antes disso.

 

5) Por fim, o hino cristológico de Efésios 1.3-13 mostraria um conceito mais elevado da pessoa de Cristo em relação às cartas principais.

           

            Os defensores da autoria paulina, no entanto, não admitem que tais objeções sejam conclusivas. Para cada objeção, há uma refutação apropriada:

 

1) Hale diz que “Efésios é um livro de louvor e adoração (e especialmente nos três primeiros capítulos, onde a diferença no estilo é tão notável), algo diferente do material de assunto normal para Paulo”.[19] Isso explica também as longas construções de frases. Trata-se de uma carta do apóstolo em caráter litúrgico: “A doutrina cede lugar à doxologia; o argumento racional à reverência”.[20] Além do mais, como Mauerhofer e Gysel observam, “quando se julga ‘linguagem e estilo’ do apóstolo Paulo somente de acordo com as chamadas ‘cartas paulinas principais’, não se faz justiça nem ao vocabulário nem ao ‘estilo’ do apóstolo. No período do ano 49 (Gálatas) até 67 (2 Timóteo)[21] Paulo escreveu um grande número de cartas, das quais 13 foram preservadas no cânon do NT. Tão diversas como as motivações, a temática e a finalidade de cada uma das 13 cartas, tão multiformes são o vocabulário e a maneira de expressão. O veredito restritivo da crítica não faz justiça aos fatos existentes, mas permanece totalmente no plano subjetivo”.[22]

 

Quanto às diferenças de vocabulário, essas “podem ser explicadas pelo assunto considerado”.[23] Sobre o uso intercambiável dos termos “Diabo” e “Satanás”, nada pesa contra a autoria paulina de Efésios. Encontramos no Corpus Paulinus (cânon longo) oito vezes o uso do termo ho diabolos, cinco vezes com referência ao “Diabo” (Ef 4.27; 6.11; 1 Tm 3.6s; 2 Tm 2.26), e três vezes como referência ao ser humano difamador (1 Tm 3.11; 2 Tm 3.3; Tt 2.3). Mas o argumento dos críticos é circular: para negar que o termo “Diabo” em Efésios seja de autenticidade paulina, é necessário que se negue a autoria paulina das pastorais a fim de dar substância à ideia de que o apóstolo não usou esse termo em seus escritos. Quando se analisa as pastorais, deve-se pressupor que Efésios não vem da pena de Paulo a fim de afirmar que o autor das cartas pastorais não pode ser o apóstolo, uma vez que o termo ali usado é “Diabo”, e não “Satanás”. Mas o raciocínio dos críticos não os impede de considerar 2 Coríntios como carta autêntica de Paulo, apesar de nela o apóstolo usar a incomum expressão “deus desta era” (4.4), ocorrência única em todo Corpus Paulinus. Assim, os pesos não conferem com as medidas.

    

2) A ideia da Igreja universal é encontrada em outras cartas paulinas, algumas dentre as quais a autoria jamais fora questionada (Gl 1.13; 6.16, onde é chamada de “Israel de Deus”; Fp 3.6).

 

3) Embora Paulo não trate da parousia de maneira direta aqui, a expectativa do retorno de Cristo expresso noutras cartas “está subordinada ao presente pensamento da exaltação de Cristo”.[24] Deve-se notar que a carta aos Gálatas também não possui qualquer referência à parousia. Isso se deve ao propósito daquela carta. Os cristãos gentios daquela localidade estavam sendo pressionados por mestres judaizantes a se voltarem contra o ensino de Paulo acerca da justificação pela fé somente, e exigiam que eles observassem a circuncisão e outros ritos da lei (Gl 5.1-12). Apesar da carta não tratar da questão escatológica da parousia, sua autenticidade geralmente não é questionada, e aqueles que a tem por pseudônima, não possuem argumentos convincentes.[25] Hale diz que “dificilmente algum estudioso bíblico moderno iria negar a autoria paulina”.[26] O mesmo vale para Efésios. O fato de Paulo não abordar um tema comumente presente em suas cartas não implica autoria pseudônima. Além do mais, como observam Carson, Moo e Morris, os textos de Efésios 1.14; 4.30; 5.6; 6.8 parecem falar sobre a vinda de Cristo.[27]

 

4) Quando se trata das relações judaico-gentias, não é necessário concluir que as afirmações da carta exijam uma data posterior a 70 d.C. Paulo já havia demonstrado em Romanos 9–11 que a união de ambos os grupos em Cristo faz parte do propósito eterno de Deus. Assim, há um forte laço entre Efésios e Romanos quando esse é o tema, e nem por isso é alegado que Romanos tenha sido escrito após a queda de Jerusalém por um “paulinista”. Outros alegam ainda que o teor da carta aos Efésios implica em comissionamento “para levar a cabo a unidade de judeus e gentios na igreja (3.2-6), enquanto Paulo se via como apóstolo dos gentios”, embora o mesmo apóstolo fale de judeus e gentios na mesma oliveira (Rm 11.17-24).[28]

 

5) A cristologia de Efésios tem muitos pontos em comum com as quatro hauptbrieve. Mesmo que os termos não sejam idênticos – e Paulo certamente tinha vasto vocabulário para escrever de maneira diversa visando o claro entendimento de cada uma das comunidades – as ideias por trás dos termos estão presentes. O ensino de Romanos 5,12-21 sobre a reconciliação através da morte e ressurreição de Jesus se encontra em Efésios 1.7; 2.13, 16. Somente pela obra de Cristo os “mortos espirituais” podem receber vida (Ef 2.1-10 – comparar com Rm 5.12-21; 6.21-23). Os benefícios dessa obra são recebidos somente pela fé (2.8-10 – cf. Rm 3.21-26; 4.4-5; Gl 2.16; 3.11, 24-25). A própria encarnação mencionada em Efésios 4.9 está subentendida em Romanos 5.12-20, onde Jesus Cristo é posto em analogia com Adão, além de ser chamado de “homem” (cf vv. 15, 19), embora mais à frente Paulo se refira a Ele como “Deus bendito” (Rm 9.5). Ver também a doutrina da encarnação no hino cristão citado por Paulo Filipenses 2.6-11. Hale conclui que “não existe nenhuma outra carta do Novo Testamento em que a situação demande louvor tão extensivo quanto Efésios. Nesta carta o autor se extasia em adoração a Deus em adoração a Deus por seu eterno propósito, na unificação da raça humana em Jesus Cristo (1.9,10,18-23). Este tema não é tratado de maneira completa nas outras cartas de Paulo como é nesta, por causa do próprio propósito daquelas cartas; todos os elementos cristológicos aqui são encontrados nas cartas anteriores”.[29]

 

            Por fim, vale a pena atentar para as considerações que Lopes faz em defesa do tradicional corpus paulinus contendo 13 documentos (cânon paulino longo):

 

As dificuldades levantadas contra a autoria paulina de algumas das cartas do Corpus Paulinus, como diferença de vocabulário, diferença de temas teológicos, estilo diferente, eclesiologia muito elaborada para o primeiro século, podem ser respondidas se nos lembrarmos que Paulo escreveu ao longo de 15 anos, que usou amanuenses, que suas cartas tratam de diferentes assuntos levantados por diferentes situações e diferentes igrejas, e que a eclesiologia do primeiro século já era bem elaborada, como o livro de Atos nos mostra. Estudiosos comprometidos com a integridade das 13 cartas têm satisfatoriamente respondido aos argumentos levantados em contrário.[30]

 

 

V. O CENTRO DA TEOLOGIA PAULINA

 

            Muito se tem discutido acerca de um tema unificador na teologia do apóstolo Paulo. Conforme a analogia de Ridderbos, a teologia paulina se compara a um grandioso edifício cuja “porta de entrada” permite o acesso aos seus diversos andares e cômodos.[31] Cabe definirmos essa “porta de entrada” para a teologia de Paulo. Os teólogos de tradição reformada tendem a ver a “justificação pela fé” como o centro do pensamento teológico de Paulo. Schweitzer e Stewart entendem o conceito central da teologia de Paulo como a “união mística com Cristo”.[32] Alguns teólogos reformados hoje estão seguindo esse mesmo entendimento, pois entendem que a justificação pela fé não é o centro da teologia paulina, mas um tema contingencial, provocado pela infiltração judaizante.

            Hoje a maioria dos estudiosos entende que o tema unificador que abre a porta de entrada para todos os demais temas da teologia de Paulo é “a obra redentora de Cristo como centro da história da redenção”.[33] Assim, o tempo escatológico da salvação é inaugurado com o advento de Cristo, sua morte e ressurreição.  

 

VI. FUNDADOR DO CRISTIANISMO?

 

            É certo que nenhum homem foi mais influente no cristianismo primitivo que o apóstolo Paulo. Em decorrência disso, alguns exageros são alimentados. Alguns têm afirmado que Paulo foi o verdadeiro fundador do cristianismo, ensinando uma religião bem diferente daquela ensinada por Jesus. O Jesus histórico é transformado por Paulo no Cristo da fé. Os que assim pensam, julgam que Jesus ensinava uma forma de Judaísmo reformado, onde a obediência exterior deveria refletir uma obediência interior. A religião de Paulo é mais elaborada. Nela se encontram os conceitos como a justificação pela fé, a união mística com Cristo, o sacrifício expiatório, a ressurreição de Jesus de entre os mortos, sua ascensão à destra de Deus e seu senhorio cósmico. Jesus jamais teria ensinado esses pontos, donde se conclui que Paulo teria recorrido às religiões de mistério. A fim de abonar seu ponto de vista, afirmam que Paulo jamais faz qualquer menção ao Jesus terreno, suas obras, milagres e ensinamentos. Ele está interessado apenas na morte e ressurreição de Jesus, criando um Jesus mais teológico. Paulo teria abandonado o “Judaísmo reformado” para criar o “cristianismo”.[34]

            Cabe, porém, observar que a morte e ressurreição de Jesus já são proclamadas pelos apóstolos no livro de Atos, antes mesmo da conversão de Paulo. O próprio apóstolo Pedro, em seu discurso no dia de Pentecostes, incluiu as verdades da morte, ressurreição, ascensão e senhorio universal de Jesus (cf. At 2.22-36).

            A crença na inspiração e inerrância das Escrituras também apoiam a ideia de que essas doutrinas estavam presentes nos ensinos de Jesus durante seu ministério terreno, mesmo que só tenham sido registradas nos evangelhos após Paulo escrever suas cartas às igrejas. Todos os quatro evangelhos narram a morte e a ressurreição de Jesus.[35] A salvação pela fé é um tema constante no Evangelho de João (Jo 1.12, 3.15-21; 5.24; 6.47; 11.25; 20.30-31). No evangelho de Lucas, Jesus ataca abertamente a justificação pelas obras [da lei] (Lc 18.9-14). Outros temas enfatizados por Paulo aparecem nos lábios de Jesus. É verdade que Paulo desenvolveu seu ministério e escreveu suas cartas às igrejas antes da composição dos evangelhos canônicos, exercendo assim grande influência sobre as comunidades cristãs primitivas. Mas esse fato não pode ser usado em favor da ideia de que os ensinos de Jesus acerca da sua morte, ressurreição, obra expiatória e senhoria universal constantes nos evangelhos devam ser interpretados como interpolações posteriores devido à influência paulina no movimento cristão primitivo. Isso solaparia a crença na inspiração e inerrância das Escrituras. Ora, se os evangelhos colocam esses ensinos nos lábios de Jesus, é porque Jesus assim ensinou, visto que a Bíblia é a Palavra de Deus, “e a Escritura não pode falhar” (Jo 10.35).

            Além do mais, o ensino do Messias como salvador que entrega sua vida em resgate pelos pecadores remonta ao Antigo Testamento (cf. Is 53), e não pode ser atribuído à mente de Paulo. Dessa forma, Paulo apenas faz eco à própria mensagem de Jesus e dos profetas que, antes dele, anunciaram sua vinda, morte e ressurreição como um ato salvador de Deus na história.

            Todavia, a pergunta permanece: Por que Paulo não faz qualquer menção aos milagres, parábolas e ensinamentos de Jesus durante seu ministério terreno? Lopes responde:

 

A ausência de referências nas cartas de Paulo à vida e obra de Jesus – seus milagres, suas parábolas, suas obras, seus ensinamentos – explica-se pelo fato de que Paulo escreveu suas cartas à comunidades cristãs já estabelecidas, às quais ele já havia pregado sobre a vida e obra do Senhor Jesus. Nas suas cartas ele pressupõe que seus leitores já têm conhecimento daquilo que mais tarde ficaria registrado nos Evangelhos. Seu objetivo com as cartas era expor as implicações da obra de Cristo, particularmente sua morte e ressurreição, para a vida dos cristãos, e para a solução de seus problemas.[36]

 

            Ainda assim, há algumas menções diretas de Paulo aos ensinamentos de Jesus. Em 1 Coríntios 9.14 ele menciona o ensino de Jesus constante em Mt 10.9-10; em 1 Timóteo 5.18, Paulo cita literalmente as palavras de Jesus em Lc 10.7; em 1 Co 7.10 ss., Paulo reproduz os ensinamentos de Jesus sobre o casamento (cf. Mt 5.32; 19.9; Mc 10.11-12; Lc 16.18), inclusive salientando quando seus conselhos não advém de um ensino direto do Senhor Jesus, mas do discernimento que dado pelo Espírito nos pontos silenciados por Jesus (1 Co 7.12 ss. e 40). Deve-se notar ainda que o ensino escatológico de Paulo à igreja de Tessalônica (1 Ts 4 – 5; 2 Ts 2) depende do sermão profético de Jesus (Mt 24; Mc 13; Lc 21). Em Paulo, encontramos ainda o único ditado direto de Jesus no Novo Testamento preservado fora dos evangelhos (At 20.35). A mensagem paulina de que o cumprimento da lei é o amor (Rm 13.8-10; Gl 5.14) fora ensinada por Jesus durante seu ministério (cf. Mt 22.34-40). Daí se depreende que a mensagem de Paulo não tem origem em si mesmo, mas apenas aprofunda e desenvolve aquilo que Jesus já havia ensinado: Jesus é o fundador do cristianismo; Paulo, seu maior porta-voz na igreja primitiva.

 

VII. AS ORIGENS DO ENSINO PAULINO

 

            Carson, Moo e Morris destacam seis tópicos nesse ponto: 1) revelação versus tradição; 2) tradições cristãs primitivas; 3) o Jesus terreno; 4) o Antigo Testamento; 5) o mundo grego; 6) o judaísmo.

 

1) Revelação versus tradição – A afirmação de Paulo em Gálatas 1.12 de que seu evangelho veio “mediante revelação de Jesus Cristo” (δι᾽ ἀποκαλύψεως Ἰησοῦ Χριστοῦ [gr. di apokalypseos Iesou Christou]) é referência à aparição de Jesus Cristo a ele na estrada de Damasco, conforme a sequência do texto mesmo diz (v. 16). Nesse sentido, o evangelho é sobrenatural. A essência do evangelho foi apreendida por Paulo quando do encontro com Cristo ressuscitado (At 9.3-6). Ali, Paulo entendeu que o Messias já viera, e, portanto, deveria ser o centro do propósito divino, de maneira que a lei deveria ceder o lugar. Agora, não haveria mais razão de se impor a lei como condição sine qua non para se tornar membro do povo de Deus, mas somente a fé em Cristo. Em 1 Coríntios 15. 3, Paulo diz: “Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi (παρέλαβον [parelabon])”. O verbo παραλαμβάνω (gr. paralambano, “receber”), tornou-se uma expressão técnica dos rabis para designar a transmissão de tradições, sendo clara referência às verdades acerca da morte, sepultamento e ressurreição de Cristo, recebidas por Paulo quando da sua primeira visita de quinze dias em Jerusalém (At 9.26-29; Gl 1.18-20). Aqui, Paulo está falando da forma do evangelho, incluindo o quadro histórico dos evangelhos, com os eventos e ensinamentos de Jesus durante seu ministério terreno, conforme os quatro evangelhos.[37] Desta forma, as duas afirmações, a saber, que seu evangelho foi recebido mediante revelação, e que foi recebido via tradição, não se contradizem, mas se completam.

2) Tradições cristãs primitivas – Como foi visto, 1 Coríntios 15.3 utiliza expressões que indicam recebimento e transmissão de tradições. Através de análises estilísticas e teológicas, pode-se identificar dentro dos escritos paulinos aquilo que deve ser entendido como citações de credos, hinos e materiais catequéticos. Os critérios para a identificação desse material (tradições cristãs anteriores) se dão por meio de vocabulário incomum, ritmo e poesia e ênfases não-paulinas. Um exemplo pode ser encontrado no hino cristológico antigo usado por Paulo em Filipenses 2.6-11.

3) O Jesus terreno – Como já foi visto, apesar de Paulo raramente fazer menção aos eventos da vida de Jesus, focando-se mais em sua morte e ressurreição, ou de algum ensino, sua influência é permanente. A escatologia de Paulo aos Tessalonicenses (1 Ts 4 – 5; 2 Ts 2) depende do sermão profético de Jesus (Mc 13 e paralelos), e o ensino ético de Paulo em Romanos 12 possui muitas semelhanças como Sermão do Monte.

4) O Antigo Testamento – Paulo faz mais de 90 citações do Antigo Testamento, além das alusões ao Antigo Testamento sem citá-lo diretamente. É claro que Paulo interpreta as Escrituras hebraicas, lendo-as através das lentes do cumprimento, em Jesus, “da lei e dos profetas”.[38]

5) O mundo grego – A tentativa de associar os ensinos de Paulo às religiões de mistério helenísticas foi destacada no início do século XX. Assim, o ensino de Paulo se distanciou do de Cristo, cuja mensagem tinha apenas uma ênfase ética. Paulo a teria tornado numa religião especulativa e mística. Günter Wagner associa o ensino bastismal de Paulo (Rm 6) às religiões pagãs místicas. Paulo, como foi visto, dominava bem o grego. Usar linguagem comum ao mundo grego e tomar emprestado seus conceitos a fim de tornar o evangelho mais claro à sua audiência é uma questão de inteligência.

6) Judaísmo – A criação judaica de Paulo e sua formação já foram mencionadas na introdução deste texto.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

Bíblia de Estudo de Genebra. Almeida Revista e Atualizada. 2 ed. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999, p. 1399.

 

BORTOLINI, José Pe. Conheça o Apóstolo Paulo. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 5.

 

CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

 

CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. São Paulo: Hagnos, 2002.

 

CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan L. Em busca de Paulo: Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2007

 

HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo, SP: Hagnos, 2001.

 

LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003

 

LOPES, Augustus Nicodemus. Teologia Paulina. São Paulo, SP, 2000.

 

MARSHALL, Howard. Atos: Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1982.

 

MAUERHOFER, Erich; GYSEL, David. Uma Introdução aos Escritos do Novo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 2010, p. 307.

 

MORRIS, Leon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2003.



[1] HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo, SP: Hagnos, 2001, p. 196.

[2] MORRIS, Leon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2003, p. 29.

[3] CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 242.

[4] BORTOLINI, José Pe. Conheça o Apóstolo Paulo. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 5.

[5] MORRIS, Leon. Op. cit., p. 23.

[6] HALE, Broadus David. Op. cit., p. 197.

[7] CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Op. cit., p.243.

[8] HALE, Broadus David. Op. cit., p. 197.

[9] CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Op. cit., p. 251.

[10] HALE, Broadus David. Op. cit., p. 197.

[11] MAUERHOFER, Erich; GYSEL, David. Uma Introdução aos Escritos do Novo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 2010, p. 307.

[12] MARSHALL, Howard. Atos: Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1982, p. 365.

[13] CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. São Paulo: Hagnos, 2002, p. 515.

[14] Alguns manuscritos acrescenta a expressão “dos gentios” a “mestre” em 2 Tm 1.11.

[15] LOPES, Augustus Nicodemus. Teologia Paulina. São Paulo, SP, 2000, p. 4.

[16] “O Paulo autêntico e histórico, autor de sete cartas do Novo Testamento (Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon)...” (CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan L. Em busca de Paulo: Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 10).

[17] Não são poucos que veem as menções acerca da Igreja em Efésios como referência á Igreja universal (cf. Ef 3.10, 21; 5.22-33), embora alguns discordem que todas as referências devam ser assim entendidas.

[18] HALE, Broadus David. Op. cit, p. 273.

[19] Ibid., p. 275.

[20] Bíblia de Estudo de Genebra. Almeida Revista e Atualizada. 2 ed. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999, p. 1399.

[21] Em nosso estudo assumimos que a morte do apóstolo se deu no ano 65 d.C. Segundo a tradição, isso teria acontecido em 29 de junho (HALE, ibid., pp. 201 e 332). Portanto, Paulo escreveu suas cartas a Timóteo antes da data acima proposta (67 d.C.), sendo provável nos anos 64-65 d.C. Todavia, é importante mencionar que a tradição não é uniforme. Eusébio, por exemplo, situa a morte do apóstolo no ano 67, e Jerônimo, 68. Não há unanimidade a esse respeito.

[22] MAUERHOFER, Erich; GYSEL, David. Op. cit., p. 427.

[23] HALE, Broadus David. Op. cit., p. 275.

[24] Ibid., p. 276.

[25] Bíblia de Estudo de Genebra. Op. cit., p. 1387.

[26] HALE, Broadus David. Op. cit, pp.247-248.

[27] CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Op. cit., p. 338.

[28] Ibid.

[29] HALE, Broadus David. Op. cit., p277.

[30] LOPES, Augustus Nicodemu. Op. cit., p. 4. Selby diz ainda que, Paulo provavelmente “tendia a dar a seus amanuenses, que também eram seus colaboradores e companheiros de viagem, cada vez mais liberdade na composição das cartas”. O envolvimento deles com no trabalho e a familiaridade com o ensino de Paulo “tornaria essa participação na composição das cartas não apenas possível, mas inevitável” (apud, MORRIS, op. cit., p. 26, nota de rodapé 6).

[31] RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

[32] LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003, pp. 520-521.

[33] Ibid., p. 521.

[34] LOPES, Augustus Nicodemu. Op. cit., p., p. 7.

[35] Até mesmo o evangelho de Marcos, que provavelmente tem seu final original em 16.8, inclui em seus versículos finais a ressurreição de Jesus. Do anjo são as palavras: “Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto” (Mc 16.6). As aparições de Jesus ressuscitado a partir do v. 9 são provavelmente acréscimos de um escritor cristão antigo que, baseado no final dos outros evangelhos, buscou finalizar o texto perdido de maneira harmônica. Todavia, alguns defendem que o fato desses versículos serem citados por escritores eclesiásticos do século II e estarem presentes em grande número de manuscritos gregos, aponta para a autoria de Marcos. Seja como for, a canonicidade do final de Marcos não está em questão, mas apenas sua autoria.

[36] LOPES, Augustus Nicodemus. Op. cit., p. 7.

[37] CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Op. cit., pp. 247-248.

[38] Ibid., 249.

 

Argumentos em favor da existência de Deus, por Thiago Velozo Titillo

08/01/2014 18:05

FACULDADE DE TEOLOGIA WITTENBERG

Apologética

Argumentos em favor da existência de Deus

Thiago Velozo Titillo

 

            No decurso do tempo foram elaborados alguns argumentos racionais em defesa da existência de Deus. Os argumentos tradicionais são: 1) cosmológico; 2) teleológico; 3) ontológico; 4) moral.

 

1. Cosmológico

 

            “O argumento cosmológico considera o fato de que toda coisa conhecida do universo tem uma causa. Portanto, arrazoa o argumento, o próprio universo deve também necessariamente ter uma causa, e a causa de universo tão grandioso só pode ser Deus” (GRUDEM, 1999, p. 99).

O filósofo e apologista cristão William Lane Craig diz que “esse argumento tem suas raízes em Platão e Aristóteles e foi desenvolvido por pensadores muçulmanos, judeus e cristãos da Idade Média” (2004, p. 77). Dentro do cristianismo, este argumento foi mais bem elaborado por Tomás de Aquino, nas suas duas primeiras vias, como se verá mais à frente. A Bíblia respalda este argumento ao declarar que as coisas criadas apontam para a existência de um Criador (Sl 19.1-2; Rm 1.20)

            Antes de Tomás de Aquino, o teólogo muçulmano Al-Ghazali (1058-1111) formulou esse argumento: “Todo ser com começo tem uma causa para o seu início; ora, o mundo é um ser com começo, e por isso tem uma causa para o seu início” (ibid., p. 78). Ghazali estabeleceu as seguintes premissas: 1) o universo começou a existir; 2) com o presente, chega ao fim a série de eventos passados, o infinito nunca chega ao fim; 3) ao atravessar o infinito, jamais chegaríamos ao “hoje”; 4) o “hoje” chegou, pois estamos aqui. Daí, conclui: se não há uma regressão infinita de causas, o universo não pode ser eterno; se o universo não é eterno, ele deve ter tido um começo; se houve um início para o universo, torna-se necessário uma causa para o seu começo, a saber, Deus.

            Fundamentado na observação do movimento, Tomás conclui que o mundo não é estático. Nota também que tudo o que se move é movido por outro ser. Tal processo retroagiria ao infinito se não houvesse um “Primeiro Motor não movido” (primum movens quod in nullo moveatur). Para Tomás, este “Primeiro Motor” é Deus. Trata-se da Primeira Via de Tomás, o caminho da mutação.

            Craig chama à atenção para o fato de que o argumento tomista baseado na causalidade do movimento deve ser visto como “causas que agem simultaneamente, como as engrenagens de uma máquina, não sucessivamente como dominós que caem. Se tirarmos a primeira causa, só restam causas instrumentais sem poder. [...] Tomás de Aquino argumenta [...] que um trem não poderia se mover sem uma locomotiva, mesmo se tivesse um número infinito de vagões. É preciso haver uma causa primeira de movimento em toda série de causas” (ibid., p. 79).

            Tomás, em sua Segunda Via, faz ainda uso da ideia de causalidade: o caminho da causalidade eficiente. Todas as coisas existentes no mundo não possuem em si mesmas a causa eficiente de suas existências e devem ser consideradas como efeitos de alguma coisa. Logo, é necessário admitir a existência de uma Primeira Causa eficiente, responsável pela sucessão de efeitos. Essa primeira Causa é Deus.

            Craig observa que “Tomás de Aquino pensa aqui no mesmo tipo de séries causais simultâneas como na primeira via, exceto que aqui as causas são de existência, não de movimento” (ibid.).

 

1.1. Objeção

 

            Os principais críticos do argumento cosmológico alegam que sua validação depende da demonstração de que “a relação entre causa e efeito é válida, a regressão infinita não é possível e que o universo é um efeito” (FERREIRA; MYATT, 2007, p. 76). Como alguém pode observar todo o universo a fim de averiguar que ele é, de fato, um efeito? Ou como alguém poderia observar todas as regressões causais para afirmar que não pode haver um regresso infinito? Assim, o argumento tomista de um “Motor Inamovível” perde a força. Deve-se ter em mente que o inimaginável não é necessariamente impossível.

            Erickson levanta ainda outra objeção: “Suponha que alguém consiga provar, com um argumento válido, que este mundo deve ter tido uma causa. Não se pode, no entanto, concluir disso que tal causa precisa ser infinita. Pode-se afirmar apenas que houve uma causa suficiente que foi responsável por esse efeito. [...] não podemos provar a existência de um Criador infinito a partir da existência de um universo finito” (1997, pp. 46-47).

 

2. Teleológico

 

            O argumento teleológico é uma subcategoria do argumento cosmológico. A harmonia e o funcionamento do universo apontam para um planejamento inteligente que só pode ter Deus como autor. Um dos maiores defensores desse argumento, William Paley (1743-1805), fez a seguinte analogia: assim como um relógio aponta para a existência de um relojoeiro que o projetou, a criação também aponta para a existência de um Criador (GEISLER, 2010a, p. 27). A ideia de ordem e finalidade na criação também já havia sido desenvolvida por Tomás de Aquino na sua Quinta Via. Muito antes disso, Platão já afirmara que uma das coisas que “levam o ser humano a crer nos deuses” é o argumento “da ordem do movimento das estrelas e de todas as coisas sob o domínio da mente que ordenou o universo” (apud, CRAIG, op. cit., pp. 81-82).

 

2.1. Objeção

 

            Argumentos empíricos alicerçados na observação sensorial podem conduzir-nos ao erro, uma vez que a percepção humana está sujeita a falhas. Erickson mostra como o argumento teleológico pode ser interpretado de maneira “desteleológica”. O mundo não deve ser, necessariamente, interpretado como algo ordenado e harmonioso. Há aspectos perturbadores, envolvendo catástrofes naturais, fome, miséria, doenças, crueldade, injustiças, etc. “Destacando esses pontos, é possível construir um argumento em favor tanto da inexistência de Deus como da existência de um Deus que não é bom” (op. cit., p. 47).

 

3. Ontológico

 

            “O argumento ontológico parte da ideia de Deus, definido como ser ‘maior do que qualquer coisa que se possa imaginar’. Depois arrazoa que a característica da existência deve pertencer a tal ser, pois maior é existir que não existir” (GRUDEM, op. cit., p. 99).

            Este argumento foi desenvolvido por Anselmo (1033-1109), e tem sido muito criticado por alguns filósofos. Kant o considerava um dos mais fracos, embora pensadores como Scotus, Descartes, Espinosa, Leibnitz, e, mais recentemente, Alvin Plantinga, tenham sido atraídos por ele.

 

4. Moral

 

            O argumento moral se baseia na natureza moral do homem. A consciência do bem e do mal, e a percepção natural do dever de evitar o mal e praticar o bem apontam para a existência de um Legislador que retribui com justiça os atos de cada um.

            A despeito do seu ceticismo, até mesmo o filósofo Kant ficou impressionado com este argumento. Ele partiu do “imperativo categórico” para deduzir a existência de um Legislador universal. A Bíblia endossa esse argumento (Rm 2.14-15). Tomás de Aquino o defende com alguma variação, em sua Quarta Via (o caminho da gradação de perfeição). Ele percebeu que no mundo algumas há uma gradação de valores: “algumas coisas são melhores do que outras, mais verdadeiras, mas nobres, e assim por diante. Esses termos comparativos identificam os vários graus em que as coisas se aproximam de um padrão superlativo: o melhor, o mais verdadeiro, etc. Portanto, deve existir algo que é a melhor, mais verdadeira e mais nobre de todas as coisas. Por isso, existe um ser que é a causa da existência, da bondade e de qualquer outra perfeição dos seres finitos, e a esse chamamos ‘Deus’” (CRAIG, op. cit., pp. 85-86). Nesse sentido, pode-se afirmar que a “quarta via” de Tomás é um tipo de argumento moral, embora distinto do argumento moral clássico.

            No século passado, C. S. Lewis, o apóstolo dos céticos, trabalhou esse argumento em sua magnum opus, Cristianismo puro e simples.

 

4.1. Objeção

 

            A principal objeção contra o argumento moral se baseia no argumento de que os valores são criações humanas, desenvolvidos pela sociedade a fim de que haja ordem para a manutenção da vida. Todavia, apesar da diferença dos valores morais existentes em algumas civilizações parecer depor de forma eloquente em favor dessa objeção, deve-se ter em vista que existem certos valores que são universais. Isso aponta para o fato de que há um Legislador universal que imprimiu valores morais na consciência humana, embora haja distorções dos mesmos valores em alguma escala em indivíduos e civilizações diferentes.

 

 

5. CONCLUSÃO

 

            Os argumentos supramencionados e suas correspondentes objeções não buscam apontar qual argumento é válido e qual não é. Isso cabe a cada um decidir per si. O propósito do presente texto é apenas apresentar os principais argumentos racionais em favor da existência de Deus, e como aqueles que não se sentem persuadidos por eles contra argumentam. É claro que cada uma das objeções a estes argumentos podem ser refutadas, mas tais respostas gerariam outras objeções, transformando-se num debate infindável e fugindo da proposta do texto.

 

BIBLIOGRAFIA

 

Bíblia de Estudo de Genebra. Almeida Revista e Atualizada. 2 ed. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

 

CRAIG, William L. A veracidade da fé cristã: uma apologética contemporânea. São Paulo: Vida Nova, 2004.

 

ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.

 

FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.

 

GEISLER, Norman. Teologia Sistemática 1: Introdução à Teologia. A Bíblia. Deus. A criação. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2010a.

 

GEISLER, Norman. Teologia Sistemática 2: Pecado. Salvação. A Igreja. As últimas coisas. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2010b.

 

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.

Evidências históricas da existência de Jesus, por Thiago Velozo Titillo

08/01/2014 17:40

FACULDADE DE TEOLOGIA WITTENBERG

Apologética

Evidências históricas da existência de Jesus

Thiago Velozo Titillo

 

 

            Quem foi Jesus? Os cristãos de todos os tempos têm afirmado que ele é o Messias, o Filho de Deus, o Deus que se fez homem para resgatar a humanidade perdida. Muitos pensadores têm negado essa afirmação. Filósofos o veem como um mestre da moral, um homem sábio apenas. Judeus afirmam que Jesus, se existiu, foi um rabino que trouxe uma mensagem inovadora. Tal mensagem entrou em conflito com as antigas tradições, culminando em sua morte. A ressurreição não passaria de um acréscimo mítico à história real. Alguns historiadores chegam a afirmar que Jesus jamais existiu, não passando da projeção idealista de um grupo de judeus religiosos. Mas, o que a história diz? Jesus, de fato, existiu?

 

1. O testemunho de Talo:

 

            Talo foi um historiador samaritano que escreveu na década de 50 do primeiro século. Os escritos de Talo não permaneceram preservados integralmente até os dias de hoje. O que dele sabemos, provêm de citações encontradas em outros escritores da antiguidade. Um deles é Júlio, o Africano (c. 221 d.C.). Com respeito às trevas que cobriram o céu durante a crucificação de Jesus, ele diz: “Thallus, no terceiro livro das suas histórias, explica esta escuridão como um eclipse do sol – sem justificativa, em minha opinião” (McDOWELL; WILSON, 1998, p. 41). Cumpre observar que em ocasião de lua cheia não pode haver eclipse. E foi justamente na época da lua cheia Pascal que Cristo foi crucificado (ibid.). O mais interessante, contudo, não é a explicação que ele dá às trevas, mas o fato de que ao apresentar a crucificação de Jesus como evento histórico, buscou uma explicação naturalista que justificasse o fenômeno que acompanhou tal evento.

 

2. O testemunho de Josefo:

 

            Josefo nasceu por volta do ano 37 d.C., isto é, poucos anos após a crucificação de Jesus (c. 30 d.C.). Filho de sacerdote, Josefo nasceu em Jerusalém onde recebeu sólida educação na Lei. Aos treze anos começou a estudar sobre as principais seitas do judaísmo: saduceus, fariseus e essênios, optando pelo farisaísmo. Josefo atribuiu aos zelotes a responsabilidade por incitar a guerra judaico-romana (66-70 d.C.), culminando na destruição do Templo pelas tropas do general Tito durante o reinado de Vespasiano.

            Josefo desertou para os romanos e profetizou que Vespasiano (a quem aceitou como Messias de Israel) tornar-se-ia imperador, o que de fato, ocorreu, logo após o suicídio de Nero. Assumiu um comando militar romano em 66 d.C., tornando-se conhecido como Flávio Josefo, após adotar o nome do imperador (Tito Flávio Sabino Vespasiano). Josefo casou-se quatro vezes, tendo ficado viúvo de sua primeira esposa, sido abandonado pela segunda, divorciando-se da terceira e se casando pela quarta vez aos setenta e cinco anos de idade, com uma judia de Creta com quem teve dois filhos: Flávio Justo e Flávio Simônides Agripa. Teve permissão para escrever até o fim de seus dias. Como historiador, com acesso aos registros governamentais romanos e judeus, tornou-se referência. Concluiu As antiguidades judaicas em 93 d.C. (ibid., p. 43).

            Nas suas Antiguidades 18.3.3, temos a famosa passagem conhecida como Testimonium Flavianum:

 

Havia neste tempo Jesus, um homem sábio [, se é lícito chamá-lo de homem, porque ele foi o autor de coisas admiráveis, um professor tal que fazia os homens receberem a verdade com prazer]. Ele fez seguidores tanto entre os judeus como entre os gentios. [Ele era o Cristo.] E quando Pilatos, seguindo a sugestão dos principais entre nós, condenou-o à cruz, os que o amaram no princípio não o esqueceram; [porque ele apareceu a eles vivo novamente no terceiro dia; como os divinos profetas tinham previsto estas e milhares de outras coisas maravilhosas a respeito dele]. E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele, não está extinta até hoje.

 

            Embora alguns historiadores desconsiderem totalmente a passagem, considerando-a um acréscimo cristão posterior à obra de Josefo, é mais provável que o parágrafo seja genuíno, embora, algumas menções elogiosas a Jesus, sejam, de fato, interpolações. Os textos que estão entre colchetes e em negrito realmente não fazem sentido para um judeu que jamais aderiu ao cristianismo. Todavia, ainda assim, a passagem como um todo não pode ser descartada, sendo um forte testemunho histórico da existência de Jesus.

            Àqueles que negam a autenticidade dessa passagem de Josefo, Grant Jeffrey diz:

 

Numerosos teólogos liberais têm declarado que essa referência a Jesus Cristo e outras a Tiago e João Batista devem ser interpolações ou foram forjadas posteriormente por redatores cristãos. Em outras palavras eles concluíram que as referências de Josefo a Jesus não poderiam ser genuínas. Tal acusação de forjadura, contudo, requer uma prova cabal. Nenhum desses eruditos podem apresentar uma única cópia antiga do livro de Josefo que não contenha as passagens sobre Jesus. [...] Phillip Schaff, entretanto, declarou em seu livro História da Igreja Cristã que todas as cópias antigas do livro de Josefo, inclusive as versões nas línguas eslava (russo) e árabe, contêm as referidas passagens sobre a vida de Cristo. Cada cópia antiga do quarto e quinto séculos, em diversos idiomas diferentes, contém estas passagens. Ninguém jamais conseguiu explicar como um redator pode ter alterado cada uma dessas versões tão amplamente distribuídas nos séculos que se seguiram à sua publicação. [...] (1998, p. 97).

 

            Noutro lugar (Antiguidades dos Judeus XX, IX, 1), Josefo descreveu a morte de Tiago, irmão de Jesus e líder da Igreja de Jerusalém:

 

Estando, portanto, o sumo sacerdote Anás com tal disposição, pensou que agora tinha uma boa oportunidade, já que Festo (o procurador romano) estava morto, e Albino (o novo procurador) ainda estava a caminho; assim, ele reuniu um concílio de juízes e trouxe Tiago, irmão de Jesus, chamado Cristo, diante deles, junto com outros homens; tendo-os acusado de violar a lei, entregou-os para serem apedrejados (apud, JEFFREY, ibid., p. 98).

 

            Essa passagem é bem menos questionada que a anterior pelos acadêmicos.

 

1.3. O testemunho de Cornélio Tácito

 

            Tácito foi historiador romano e governador da Ásia (Turquia) em 112 d.C. Referindo-se à perseguição sofrida pelos cristãos por causa da falsa acusação de Nero, disse em seus Anais XV, 44:

 

Cristus [Cristo], que deu origem ao nome, fora morto por Pôncio Pilatos, procurador da Judeia no reinado de Tibério; mas a perniciosa superstição, reprimida por um tempo, irrompeu novamente, não somente pela Judeia, onde o engano começara, mas também pela própria cidade de Roma (apud JEFFREY, ibid., p. 95).

           

            Na qualidade de historiador e político romano, é impossível que ele não tivesse acesso aos documentos oficiais do Império. Assim, sua afirmação de que Jesus foi morto por Pilatos durante o reinado de Tibério é um testemunho da exatidão histórica dos evangelhos.

           

 

1.4. Plínio, o Moço

 

            Plínio foi governador da Bitínia (Turquia), província romana, por volta de 112 d.C. Por essa ocasião, escreveu ao imperador solicitando instruções acerca de como interrogar os cristãos. Em uma de suas epístolas, declarou que os cristãos tinham

 

o hábito de se reunir num dia determinado, antes do alvorecer, quando cantavam alternadamente os versos de um hino dedicado a Cristo como para um Deus, e se comprometiam, num solene juramento, a não praticarem obras perversas nem qualquer fraude, a não roubar, não adulterar, nunca usar de falsidade nas palavras e não trair a confiança de ninguém, quando fossem chamados a isso (ibid., p. 95).

 

            Plínio não apenas afirma que os cristãos adoravam a Cristo em lugar do imperador Trajano, mesmo sob pena de morte, como também afirma que eles amavam a verdade e se afastavam do mal. É interessante observar que tais pessoas jamais se disporiam a morrer voluntariamente por alguém que soubessem ser uma fraude. Eles, de fato, sabiam da existência histórica de Jesus.

 

1.5. O testemunho de Suetônio

 

            Suetônio foi o historiador oficial de Roma em 125 d.C. Em A Vida de Cláudio 25.4 referiu-se aos cristãos como promotores de tumultos em Roma, o que causou a expulsão deles da cidade. Ele diz que os cristãos derivam da “instigação de Crestos [Cristo]” (ibid.).

 

1.6. O testemunho de Luciano de Samósata

 

            Luciano viveu em Samósata um século depois de Cristo. Em O Peregrino Passageiro, escreveu que Jesus era adorado pelos cristãos, sendo “o homem que fora crucificado na Palestina porque havia introduzido esse novo culto ao mundo” (ibid., p. 96).

 

CONCLUSÃO

 

            Além do testemunho bíblico, a existência de Jesus é atestada por vários documentos históricos. Para o cristão, a Bíblia somente é suficiente para provar a existência de Jesus. Todavia, diante dos céticos, tais confirmações de fontes não cristãs podem ser úteis no sentido de leva-los à fé.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética: resposta aos críticos da fé cristã. São Paulo: Editora Vida, 2002.

 

GEISLER, Norman; BOCCINO, Peter. Fundamentos inabaláveis: respostas aos maiores questionamentos contemporâneos à fé cristã: clonagem, bioética, aborto, eutanásia, macroaevolução. São Paulo: Vida, 2003.

 

McDOWELL, Josh; WILSON, Bill. Ele andou entre nós: evidências do Jesus histórico. São Paulo: candeia, 1998.

 

JEFFREY, Grant R. A assinatura de Deus: surpreendentes descobertas bíblicas. São Paulo: Bompastor, 1998.

As diferentes cosmovisões, por Thiago Velozo Titillo

08/01/2014 15:57

FACULDADE DE TEOLOGIA WITTENBERG

As diferentes cosmovisões

Thiago Velozo Titillo

 

Definição

 

            A palavra cosmovisão faz referência à forma de enxergar o mundo. A palavra grega κόσμος (kosmos) significa “mundo”. Assim, cosmovisão significa literalmente “visão de mundo”. Geisler e Bocchino explicam o que é cosmovisão:

 

Já dissemos que a cosmovisão é análoga à lente intelectual através da qual as pessoas veem a realidade e que a cor da lente é um fato fortemente determinante que contribui para o que elas creem acerca do mundo. Além disso, cosmovisão é um sistema filosófico que procura explicar como os fatos da realidade se relacionam e se ajustam um ao outro. Uma vez reunidos os componentes da lente, ela focalizará o plano geral da realidade que dá a estrutura na qual as partes menores da vida se harmonizam. Em outras palavras, a cosmovisão dá forma ou colore o modo que pensamos e fornece a condição interpretativa para entender e explicar os fatos de nossa experiência.[1]

 

            Desta forma, as cosmovisões são importantes porque determinam a nossa maneira de enxergar a realidade. Uma visão distorcida compromete o comportamento do indivíduo, trazendo consequências, muitas vezes, irreparáveis. Adolf Hitler buscou apoio popular para sua visão [distorcida] da realidade. A citação abaixo mostra como uma “lente embaçada” é perigosa:

 

O mais forte deve dominar, não se igualar ao mais fraco, o que significaria o sacrifício de sua própria natureza superior. Somente o indivíduo que é fraco de nascimento pode entender este princípio como cruel. E, se faz isso, é meramente porque é de natureza mais fraca e de mente mais obtusa, pois se essa lei não direcionasse o processo de evolução, o desenvolvimento superior da vida orgânica não seria concebível de forma alguma [...] Se a Natureza não deseja que os indivíduos mais fracos se igualem aos mais fortes, deseja ainda menos que uma raça superior se misture com uma inferior, porque nesse caso todos os seus esforços, ao longo de centena de milhares de anos, para estabelecer um estágio evolutivo mais alto do ser, podem-se traduzir em inutilidade (Mein kampf [Minha luta]).[2]

 

            Sua cosmovisão o levou às atrocidades que cometeu em Auschwitz, onde mulheres grávidas e crianças pequenas foram torturadas até a morte. Hitler foi coerente com sua visão de mundo, esta, porém, era uma visão pervertida da realidade.

 

As cosmovisões

 

            Existem cerca de oito cosmovisões diferentes. Geisler entende que são sete,[3] pois inclui o henoteísmo como um subproduto da cosmovisão politeísta.[4] Todavia, analisaremos essas duas cosmovisões separadamente. Cada cosmovisão sustenta uma visão de mundo diferente, tendo premissas básicas opostas entre si, de maneira que, com exceção do panteísmo/politeísmo, as demais cosmovisões são irreconciliáveis.[5] Geisler conclui: “Logicamente, somente uma destas cosmovisões pode ser verdadeira; e as outras precisam ser necessariamente ser falsas”.[6] Eis as oito cosmovisões que serão estudadas a seguir: Teísmo, Ateísmo, Panteísmo, Panenteísmo, Deísmo, Deísmo Finito, Politeísmo e Henoteísmo.

 

1. Teísmo

 

            O teísmo crê na existência de um Deus infinito e pessoal, que está além do universo físico, sendo o criador e o sustentador de tudo o que existe.

 

Os teístas estão convencidos de que o universo teve uma Causa Primeira sobrenatural infinitamente poderosa e inteligente, um Deus infinito que está além do universo e nele se manifesta. Esse Deus é o Deus pessoal, separado do mundo, que criou o universo e o sustém. Os teístas creem que Deus pode agir no universo de maneira sobrenatural.[7]

 

            Nas palavras de Geisler, este “Deus está tanto ‘lá fora’ como ‘aqui dentro’, pois Ele é transcendente e imanente”.[8] É isso que Deus diz ao profeta na Bíblia: “Acaso, sou Deus apenas de perto, diz o SENHOR, e não também de longe?” (Jr 23.23).

            As três religiões tradicionais – judaísmo, cristianismo e islamismo – representam a cosmovisão teísta.

            Geisler e Bocchinho dão um quadro útil dos principais fundamentos do teísmo:[9]

 

· DEUS – É um só, pessoal, moral, infinito em todos os seus atributos.

· UNIVERSO – É finito, criado pelo Deus infinito.

· HUMANIDADE (origem) – Somos imortais, criados e sustentados por Deus.

  · HUMANIDADE (destino) – Por escolha seremos eternamente separados de Deus ou viveremos eternamente com ele.

  · MAL (origem) – É a privação ou imperfeição causada pela escolha.

  · MAL (destino) – Será finalmente derrotado por Deus.

  · ÉTICA (base) – Os princípios éticos se baseiam na natureza de Deus.

  · ÉTICA (natureza) – Os princípios éticos são absolutos, objetivos e prescritivos.

 

2. Ateísmo

 

            Concepção segundo a qual o universo físico é tudo que existe, sendo autossustentado. Mais uma vez, o quadro apresentado por Geisler e Bocchino pode ser útil:[10]

 

· DEUS – Não existe. Existe somente o universo.

· UNIVERSO – É eterno; ou casualmente veio a ser.

· HUMANIDADE (origem) – Evoluímos, somos compostos de moléculas e não somos imortais.

· HUMANIDADE (destino) – Não temos nenhum destino eterno e seremos aniquilados.

· MAL (origem) – É real, causado pela ignorância humana.

· MAL (destino) – pode ser derrotado pelo homem por meio da educação.

· ÉTICA (base) – É criada pela humanidade e fundamentada na própria humanidade.

· ÉTICA (natureza) – É relativa, determinada pela situação.

 

            Os mais conhecidos representantes do ateísmo são Karl Marx, Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud e Jean-Paul Sartre. Todavia, a ideia de Deus faz parte da crença universal dos homens de todas as civilizações, inclusive daquelas menos civilizadas. Assim, o ateísmo intelectual[11] não é uma concepção natural, mas adquirida. Berkhof coloca a questão da seguinte forma: “Em vista da semen religionis[12] implantada em todos os seres humanos, pela criação do homem à imagem de Deus, é seguro admitir que ninguém nasce ateu. Em última análise, o ateísmo resulta do estado moral pervertido do homem e do seu desejo de fugir de Deus”.[13] Por isso, “diz o insensato em seu coração: Não há Deus” (Sl 14.1; cf. 10.4b).

 

3. Panteísmo

 

            A Criação e o Criador são duas maneiras diferentes de perceber a mesma realidade. Deus é o universo, e o universo é Deus. A palavra panteísmo é de origem grega: παν (pan [“tudo”]) e θεος (Theos [“Deus”]). “Deus permeia todas as coisas e se encontra em todas elas”.[14] O panteísmo encontra representatividade no hinduísmo, zen budismo, Ciência Cristã, Cientologia, e nas religiões da Nova Era. Abaixo, o quadro dos principais ensinos do panteísmo:

 

  • DEUS – É um, infinito, normalmente impessoal; ele é o universo.
  • UNIVERSO – É uma ilusão, uma manifestação de Deus, o único que é real.
  • HUMANIDADE (origem) – O verdadeiro eu (atmã) do homem é Deus (Brahman).
  • HUMANIDADE (destino) – Nosso destino é determinado pelos ciclos da vida, o carma.
  • MAL (origem) – É uma ilusão causada pelos erros da mente.
  • MAL (destino) – Será absorvido por Deus.
  • ÉTICA (base) – Os princípios éticos se baseiam em manifestações inferiores de Deus.
  • ÉTICA (natureza) – Os princípios éticos são relativos, transcendem a ilusão do bem e do mal.

 

            Antes de apresentarmos as outras cinco cosmovisões restantes, importa fazer algumas observações acerca do teísmo, ateísmo e panteísmo. Geisler observa que o politeísmo dominou o pensamento grego antigo, o teísmo dominou o pensamento cristão medieval, e o ateísmo floresceu no mundo moderno.[15] Em sua Teologia Sistemática, volume I, Geisler contrasta as três cosmovisões:

 

o Panteísmo afirma que Deus é tudo, o Ateísmo alega que não existe Deus algum, e o Teísmo declara que Deus criou tudo. No panteísmo, tudo é mente. De acordo com o ateísmo, tudo é matéria. Só o Teísmo afirma que tanto a mente como a matéria existem. Na verdade, enquanto o ateu acredita que a matéria produziu a mente, o teísta acredita que a Mente (Deus) produziu a matéria.[16]

 

4. Panenteísmo

 

            O panenteísmo afirma que “Deus habita o universo da mesma forma que uma mente habita um corpo; o universo é o ‘corpo de Deus’”.[17] A palavra é formada por três vocábulos gregos: παν (pan [“tudo”]), ἐν (en [“em”]), e θεος (Theos [“Deus”]). Não se deve confundir panteísmo com panenteísmo. O primeiro significa que tudo é Deus, o segundo significa “tudo em Deus”.[18]

            O panenteísmo é conhecido por vários nomes: 1) teologia do processo, pois vê Deus como um ser mutável; 2) teísmo bipolar, pois acredita que Deus tem dois polos;[19] 3) organicismo, pois vê tudo como um grande organismo, e; 4) teísmo neoclássico, porque ao contrário do teísmo clássico, acredita que Deus é finito e temporal.[20]

            Geisler apresenta um quadro das diferenças entre o teísmo e o panenteísmo:[21]

 

Teísmo

Panenteísmo

Deus é o Criador.

Deus é o diretor.

Criação é ex nihilo.

Criação é ex materia.

Deus é soberano sobre o mundo.

Deus está trabalhando com o mundo.

Deus é independente do mundo.

Deus é dependente do mundo.

Deus é imutável.

Deus é mutável.

Deus é absolutamente perfeito.

Deus está se aperfeiçoando.

Deus é monopolar.

Deus é bipolar.

Deus é realmente infinito.

Deus é realmente finito.

 

            Alfred North Whitehead, Charles Hartsborne e Schubert Ogden defendem essa cosmovisão.

 

5. Deísmo

 

            O deísmo sustenta uma visão naturalista do universo, semelhante ao ateísmo, com a diferença fundamental de que enquanto este nega que o mundo teve sua origem em um Criador, aquele afirma que o mundo foi criado por Deus, embora negue a possibilidade de milagres. “Em suma, Deus criou o mundo, mas Ele não mais se envolve com o mundo criado. O Criador deu cordas na criação, como se faz com um relógio, e desde então o mundo segue o seu curso de maneira independente”.[22]

            O deísmo é a antítese do panteísmo. Este nega a transcendência de Deus em favor de sua imanência absoluta. Aquele nega a imanência de Deus em favor da sua transcendência.

Suas crenças básicas são alistadas por Geisler em sua Enciclopédia de apologética, que serão mencionadas de forma resumida:

 

· DEUS – Existe um Deus eterno, imutável, intangível, onisciente, onipresente, benévolo, verdadeiro, justo, invisível, infinito e perfeito.

· UNIVERSO – O universo é a criação de Deus, e opera por leis naturais que fluem da natureza de Deus.

· DEUS E O UNIVERSO – Deus é diferente do universo, e não se revela de outra forma além da criação.

· MILAGRES – Os milagres não acontecem. Ou Deus não pode intervir na natureza, ou não quer. Alguns afirmam que, como as leis naturais são imutáveis, intervir na natureza seria uma quebra da lei estabelecida pelo próprio Deus.

· SERES HUMANOS – A humanidade foi criada por Deus e é capaz de viver alegremente no mundo. O ser humano é pessoal, racional e livre.

· ÉTICA (base) – A base da moralidade humana é a natureza. O único princípio humano inato é o desejo pela felicidade.

· O DESTINO HUMANO – Alguns deístas creem na imortalidade da alma, outros não. Aqueles que acreditam na vida pós-morte entendem que as pessoas moralmente boas serão recompensadas, e as moralmente más, punidas.

· HISTÓRIA – Em geral, a leitura deísta da história é linear e objetiva. Negam a intervenção sobrenatural de Deus na história.

 

            Historicamente, o deísmo ganhou força entre os séculos XVI e XVIII, mas declinou a partir do século XIX. Na Europa, sua força se concentrou na França e na Inglaterra, e na América ganhou terreno no final do século XVIII. O deísmo é um produto do iluminismo, baseado no racionalismo holandês e alemão.

Seus principais proponentes foram François Voltaire, Thomas Jefferson e Thomas Paine.

 

6. Deísmo limitado (finito)

 

            Pode-se afirmar que o deísmo finito é uma via média entre o teísmo e o deísmo. Assemelha-se ao teísmo por crer que Deus não apenas transcende o universo, mas também está ativo nele. Todavia, a descrença na intervenção milagrosa de Deus o coloca na esfera deísta. Geralmente essa limitação é vista no fato de Deus aparentemente ser incapaz de impedir o mal. Os principais pontos do deísmo limitado são compartilhados com o deísmo. Seus principais proponentes são John Stuart Mill, William James e Peter Bertocci.[23]

 

7. Politeísmo

 

            A palavra politeísmo é oriunda de dois vocábulos gregos: πολύς (polis [“muitos”]) e θεοϛ (Theos [“Deus”, “deuses”]). Trata-se da cosmovisão “que afirma a existência de muitos deuses finitos no mundo”.[24] Cada deus tem seu próprio domínio de atuação. Fundamentalmente, o politeísmo é uma negação do monoteísmo.

No mundo antigo, os egípcios, gregos e romanos eram povos politeístas. Atualmente, os mórmons e os neo-pagãos (wiccas) representam essa visão de mundo. Há ainda o hinduísmo, no qual “o politeísmo e panteísmo se unem, propondo a existência de um Brahman impessoal e mais de 330 milhões de manifestações pessoais da Realidade suprema impessoal”.[25]

            No ocidente o politeísmo declinou com a ascensão do teísmo filosófico de Platão e Aristóteles. Com a vitória do cristianismo, o politeísmo romano sucumbiu. Agostinho teve papel fundamental nesse processo ao escrever A cidade de Deus, texto que oferece a refutação cristã à ideia de que o declínio do império fora causado pelo abandono da religião romana tradicional e seu panteão de deuses.[26]

 

8. Henoteísmo

 

            O henoteísmo é um tipo de politeísmo que acredita haver uma hierarquia entre os muitos deuses existentes, sendo um deles, o deus supremo. Zeus era a divindade máxima entre os gregos, e Júpiter entre os romanos.

            Alguns supõem que os antigos hebreus eram henoteístas. Segundo afirmam, o próprio Deus tinha ciúmes dos demais deuses: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3). Entretanto, convém notar que o povo de Israel tinha uma forte inclinação à idolatria. Isso ficou evidente quando Moisés desceu do monte Sinai e viu que o povo, com consentimento de Arão, fez para si um bezerro de ouro para adorá-lo (Êx 32). O mandamento do Senhor visava proteger Israel do perigo que o cercava. Isso não quer dizer que os outros deuses eram reais. Outros afirmam que o embate entre Elias e os profetas de Baal endossa a ideia de que Iavé coexistia com Baal, sendo este inferior àquele, como ficou provado quando Iavé enviou fogo do céu a consumir o holocausto, a lenha e as pedras, além de secar a água em volta, no monte Carmelo (1 Rs 18.20-40). Mais uma vez, o episódio não favorece a ideia da existência real de Baal. O propósito de Elias ao enfrentar os 450 profetas de Baal foi ridicularizar a crença nesse deus.

            Como Ferreira e Myatt ressaltaram, “frequentemente o Antigo Testamento emprega perguntas retóricas para reduzir a noção da existência de outros deuses ao absurdo: ‘Onde estão os seus deuses?’ (Dt 32.37; Is 36.19. Jr 2.28)”.[27] Por fim, o próprio Deus diz: “antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá” (Is 43.10). Isso é o mais puro monoteísmo veterotestamentário.

 

Considerações finais

 

            As palavras de Norman Geisler em sua Teologia Sistemática são oportunas:

 

Obviamente, se o Teísmo é verdadeiro, todas as outras seis formas de não-Teísmo[28] são falsas. Deus não pode ser, por exemplo, ao mesmo tempo finito e infinito, pessoal e impessoal, estar além do universo e não estar além do universo, ser imutável e mutável, ou, ao mesmo tempo, ter capacidade de fazer milagres e não poder realiza-los.[29]

 

            Mais adiante, quando examinarmos os argumentos racionais em favor da existência de Deus, tornar-se-á claro que o teísmo é razoável, de maneira que as outras cosmovisões não poderão ser igualmente verdadeiras.

 


   [1] GEISLER, Norman L.; BOCCHINO, Peter. Fundamentos inabaláveis: respostas aos maiores questionamentos contemporâneos sobre a fé cristã: clonagem, bioética, aborto, eutanásia, macroevolução. São Paulo: Vida, 2003, p. 53.

   [2] Apud, ibid., p. 54.

   [3] Ibid. Cf. tb. GEISLER, Norman. Teologia Sistemática I: Introdução à Teologia. A Bíblia. Deus. A criação. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 16-17.

   [4] GEISLER, 2010, p. 17.

   [5] Ibid., p. 16.

   [6] Ibid., p. 16.

   [7] GEISLER; BOCCHINO, 2003, p. 58.

   [8] GEISLER, 2010, p. 16.

[9] GEISLER; BOCCHINO, 2003, pp. 58-59.

[10] Ibid., p. 57.

   [11] O ateu intelectual difere do ateu prático. Enquanto este não é religioso, vivendo como se Deus não existisse, aquele busca basear racionalmente sua negação da existência de Deus.

   [12] Do latim: literalmente, “semente da religião”.

   [13] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 21.

   [14] GEISLER; BOCCHINO, 2003, p. 57.

   [15] GEISLER, Norman. Enciclopédia de apologética: respostas aos críticos da fé cristã. São Paulo: Vida, 2002, p. 83.

  [16] GEISLER, 2010, p. 16.

   [17] Ibid., p. 17.

   [18] GEISLER, 2002, p. 682.

   [19] Segundo o panenteísmo, além do universo físico real, o potencial eterno e infinito de Deus é outra coluna de sustentação (GEISLER, 2010, p. 17). Assim, Deus tem dois polos. Ele é mutável, finito e temporal em seu polo real, e imutável e eterno em seu polo potencial.

   [20] GEISLER, 2002, p. 682.

   [21] Ibid.

   [22] GEISLER, 2010, p. 17.

   [23] GEISLER, 2010, p. 17.

   [24] GEISLER, 2002, p. 707.

   [25] Ibid.

   [26] Ibid.

   [27] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 174.

   [28] Geisler considera o henoteísmo dentro da cosmovisão politeísta, tratando-as como uma única visão de mundo.

   [29] GEISLER, 2010, p. 17.

 

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